“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Este é um momento pelo qual nunca imaginamos passar e, exatamente por isso, novas normas e regras mais flexíveis foram editadas visando dar segurança jurídica aos gestores públicos responsáveis por licitações e contratos.

No mês de fevereiro deste ano, quando ainda não estávamos em quarentena, foi sancionada a Lei 13.979/2020, que tem como fundamento “o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.” Essa lei trouxe medidas de caráter geral sobre o enfrentamento ao coronavírus e, no que se refere aos procedimentos licitatórios, autorizou a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública.

Assim, ainda que a Lei em questão não tenha trazido de forma detalhada os procedimentos aplicáveis neste período, já foi possível perceber a flexibilização nas aquisições de bens e serviços especificamente da área da saúde.

Posteriormente, foi editada a MP 926/20, que versa sobre os procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento do coronavírus. Na referida Medida Provisória, já é possível verificar um maior detalhamento da citada dispensa de licitação com o fim de combater a pandemia.

A MP 926/20 trouxe a possibilidade de utilizar a dispensa de licitação para registro de preços, o que anteriormente só era permitido através das modalidades “Concorrência” ou “Pregão”.  O fato do registro de preços ser utilizado apenas para compras e serviços a serem contratados ou adquiridos em necessidades futuras causou discussão e estranheza nos grandes doutrinadores, já que agora poderá ser utilizado para uma situação emergencial, que diverge das contratações futuras. Para essa situação, é necessário um estudo pormenorizado em cada caso específico, mas foi a previsão que a Medida Provisória trouxe.

Outras MPs também foram editadas alterando o conteúdo da Lei 13.979/2020, e chamamos a atenção para a MP 961, publicada no dia 7 de maio de 2020, a qual trouxe três importantes inovações a serem adotadas durante o período de calamidade pública. São elas: a majoração dos valores de dispensa de licitação de que tratam os incisos I e II do art. 24 da Lei 8.666/93, possibilidade de antecipação de pagamento por parte da administração e, por último, mas não menos importante, a aplicação do regime diferenciado de contratação (RDC).

O aumento dos valores aplicados às dispensas de licitação foi muito significativo, passando de R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais) nas compras e serviços para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Já para obras e serviços de engenharia, o valor subiu de R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais) para R$ 100.000,00 (cem mil reais). O que gerou, e ainda gera muita discussão acerca desse ponto, é se os novos valores são aplicáveis a qualquer dispensa ou apenas aquelas de enfrentamento à pandemia. O debate entre os doutrinadores ainda não está muito bem definido, mas o que podemos dizer com certeza é que mesmo havendo o aumento significativo nos valores e um certo afrouxamento nas exigências de contratação, não devemos nos abster de fazer o adequado planejamento das compras e contratações e ainda motivar todos esses atos, tendo em vista que os recursos disponibilizados para enfrentamento da pandemia serão, posteriormente, objeto de controle externo.

No tocante à possibilidade de antecipação de pagamento por parte da administração pública, o legislador, no intuito de resguardar o erário público e inibir a prática de atos ímprobos, definiu dois requisitos para sua regular aplicabilidade: 1 –  ser condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; 2 – o pagamento antecipado deve trazer significativa economia de recursos. Vale dizer que mesmo atendendo a esses requisitos, para que a antecipação de pagamento seja possível, deverá constar em edital de forma clara ou na documentação de eventual contratação direta (dispensa de licitação). Além disso, em caso de inexecução do objeto, o valor deverá ser devolvido integralmente.

Sendo assim, é importante salientar novamente que todos os atos da administração devem ser planejados, motivados e justificados de acordo com a real situação, visando evitar questionamentos futuros.  Vale acrescentar que a única situação na qual não poderá ocorrer antecipação de pagamento é na contratação de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra (ex. serviços de vigilância).

Por fim, e não menos importante, a Medida Provisória 961 trouxe novamente a aplicação do RDC (regime diferenciado de contratações), regime já utilizado anteriormente (lei 12.462/11), porém apenas para licitações e contratos necessários à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, Copa do Mundo e afins. Posteriormente, esse regime passou a ser utilizado também em obras e serviços de engenharia do SUS, ações de segurança pública, dentre outras situações específicas.

É possível perceber que o RDC não se aplicava a toda e qualquer licitação e contratação, mas tão somente àquelas expressamente autorizadas por lei. Foi nesse sentido que a MP 961 inovou, pois permitiu à administração pública de todos os entes federativos, de todos os poderes, a aplicação do regime diferenciado. Devido às grandes particularidades desse regime, não teceremos comentários inerentes aos procedimentos, mesmo porque se trata de uma legislação já consolidada, e que são do conhecimento daqueles que trabalham na administração pública.

No entanto, é importante mencionar que durante o período de enfrentamento ao coronavírus, teremos dois regimes licitatórios em vigor, o da lei 8.666/93 e o Regime Diferenciado de Contratações – RDC.

Maicon Vieira Pereira, advogado, formado pela Universidade Vale do Rio Verde – Unincor, no ano de 2004, pós-graduado nas áreas de: Direito Ambiental, Licitações, Advocacia Pública Municipal e Processo Legislativo. Atua no ramo do Direito Público desde o ano de 2008, quando trabalhou na empresa Etac Auditoria e Consultoria em Belo Horizonte, prestando assessoria a mais de 60 órgãos públicos. Atualmente, é sócio do Escritório Vieira & Vilela Sociedade de Advogados, especializado em assessoria e consultoria a Prefeituras e Câmaras Municipais da região.