“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Por Graziela Ricardo Matoso*

No dia 14 de junho de 2018, um senhor chamado Eraldo José Sarapu que participava da missa realizada na Capelinha Nhá Chica, no bairro rural de Inconfidentes teve a ideia de criar um caminho de peregrinação ligando a capelinha ao Santuário da Imaculada Conceição de Nhá Chica, em Baependi.

Dias depois o senhor procurou o casal responsável pela ermida, Daniela de Roma e José Valmei Bueno, e expressou sua ideia. O casal interessado convidou um grupo de devotos que tiveram a missão de estudar, traçar e providenciar as primeiras ações para implantação do caminho. Este grupo foi constituído por Eraldo Sarapu, José Ricardo de Souza, Gilberto Braz, Genoveva Rangel, Janaína Martinelli e José Valmei Bueno. Um ano depois no dia 14 de junho de 2019, um grupo de peregrinos de Minas Gerais e São Paulo foi abençoado pelo pároco de Inconfidentes, padre Antônio Brentegani, para dar início à primeira peregrinação a pé, entre Inconfidentes e Baependi. E assim no dia 15 de junho de 2019 o grupo pioneiro fez a primeira caminhada de 260km, que passa pelo seguinte trajeto Inconfidentes, Borda da Mata, Congonhal, Espírito Santo do Dourado, Silvianópolis, Careaçu, Heliodora, Natércia, Conceição das Pedras, Bairro Vargem Alegre, Cristina, Carmo de Minas, Soledade de Minas, Caxambu e Baependi onde fica o Santuário da Imaculada Conceição de Nhá Chica, parada final do trajeto. O grupo chegou ao Santuário de Baependi, às 16h do dia 24 de junho de 2019. Movidos por grande emoção, os peregrinos encerraram a jornada com um forte momento de oração, no interior da casinha onde Nhá Chica viveu da infância até o dia de sua morte, aos 87 anos.

Segundo Valmei, desde sua criação em 2019 o caminho já foi percorrido por cerca de 200 peregrinos, que vão a pé ou de bicicleta. Ele relata também que apesar do curto período, o caminho tem uma importância turística relevante, “Um dos objetivos da criação deste caminho é fomentar o turismo religioso e rural. As peregrinações estão em alta no país e a existência desta rota pelos menores municípios do Sul de Minas pode atrair muitos visitantes e alavancar a economia local como, por exemplo, a abertura de pousadas,” afirma.

Ele também nos conta que as cidades por onde o caminho passa, foram afetadas como o restante das cidades do país, com comércio e vias fechadas, mas que agora tudo está se normalizando; “as pousadas novamente estão abertas”, relata.

CONHECENDO ALGUMAS CIDADES QUE FAZEM PARTE DO JORNAL PANORAMA E PARTICIPAM DO CAMINHO DE NHÁ CHICA

Capela ponto de partida do Caminho de Nhá Chica, em Inconfidentes (Redes Sociais)

O nosso ponto de partida é da Capela Beata Nhá Chica, em Inconfidentes. A cidade mineira com pouco mais de 7 mil habitantes originou-se com a vinda dos bandeirantes em busca de ouro nesta região. Eles foram os primeiros habitantes e instalaram-se às margens do Rio Mogi Guaçú, que até então pertencia ao Município de Ouro Fino.

Inconfidentes é conhecida como a capital nacional do crochê, pois é um dos maiores produtores de crochê, malhas, fios, fibras e tapetes do Sul de Minas Gerais, além do comércio de artesanato, cama, mesa e banho, bucha vegetal e artigos para decoração, se tornando uma cidade referencial no turismo de comércio.

Cachoeira da Usina em Natércia (Redes Sociais)

Natércia é palco da festa Treze de Maio, tradição na cidade, onde todos os anos a congada sai pelas ruas do município festejando e comemorando a libertação dos escravos com danças e cantos, ao ritmo das caixas e das violas, com a apresentação de suas danças próprias.  A festa tem a participação das crianças, dos moços e dos mais velhos que formam um conjunto harmonioso, ritmado e uma coreografia que a civilização dificilmente conseguirá extinguir. Neste mesmo dia é festejado São Benedito, o Negro, um dos santos mais queridos e populares no Brasil.

Antiga Estação de Soledade de Minas (Redes Sociais)

Chegando em Soledade de Minas, conhecemos a famosa estação de Soledade, inaugurada em 14 de junho de 1884, e que em 1940 teve seu nome alterado para Ibatuba. Pouco tempo depois voltou a se chamar Soledade, mas dessa vez foi acrescentado o “de Minas”. A estação tornou-se um dos maiores e mais importantes cruzamentos do Sul de Minas com a abertura das linhas da Barra e do Ramal de Sapucaí em 1891. Era comum três trens de origens diferentes chegarem simultaneamente na estação para que os passageiros fizessem a baldeação conforme o destino desejado. Nos anos 80, a Linha da Barra e o Ramal de Sapucaí acabaram, e poucos anos depois, a linha entre Cruzeiro e Três Corações foi desativada ficando a estação abandonada. Em 2004, a estação voltou com o Trem das Águas, sendo o ponto final do passeio.

Morro do Cristo em Caxambu (Redes Sociais)

Caxambu, uma das principais cidades do Circuito das Águas de Minas Gerais, conhecida como importante estância hidromineral, abriga o Parque das Águas, que tem doze fontes de águas minerais gasosas e medicinais. Sendo uma das mais famosas e a mais antiga a fonte criada em homenagem ao imperador do Brasil Dom Pedro II, que possui uma arquitetura eclética e em seu interior encontra-se uma réplica da coroa que pertenceu a Dom Pedro, sendo um dos cartões postais da cidade. Além de linda, a fonte tem águas consideradas medicinais, pois reforçam o estímulo da digestão e é indicada para desconfortos e digestões lentas, por isso sendo uma excelente água de mesa.

Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Beata Nhá Chica em Baependi (Crédito: Santuário de Nhá Chica)

Por fim, chegamos a Baependi, cidade conhecida nacionalmente pelo turismo religioso, já que no município fica o famoso Santuário de Nhá Chica, onde também se encontram sua casa e seus restos mortais. A santa nasceu no distrito de São João Del-Rei e foi para Baependi acompanhada por sua mãe e por seu irmão, Teotônio. Dentre os poucos pertences, trouxeram uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Em 1818 sua mãe faleceu, deixando seu irmão com 12 anos e ela com 10 anos. Nhá Chica nunca se casou e entregou-se de corpo e alma a sua fé e a Nossa Senhora, que carinhosamente chamava de ‘Minha Sinhá’. Ainda muito jovem, era procurada para dar conselhos, fazer orações e dar sugestões para as pessoas, sem discriminar ninguém por sua condição financeira ou raça. Muitos não tomavam decisões sem primeiro consultá-la, assim sua fama foi crescendo e muitas pessoas de todo lugar do país vinham até Baependi para procurar seus conselhos. Nhá Chica não sabia ler, mas alguém sempre lia para ela a escritura sagrada, e a deixava muito feliz. Devota fiel, compôs uma Novena à Nossa Senhora da Conceição e em sua honra, construiu, ao lado de sua casa, uma Igrejinha, onde venerava uma pequena Imagem de Nossa Senhora da Conceição que era de sua mãe e rezava piedosamente.

Nhá Chica morreu no dia 14 de junho de 1895, com 87 anos de idade, mas foi sepultada somente no dia 18, no interior da Capela que ela mesma construiu. As pessoas que estavam presentes em seu enterro relataram que sentiram recender de seu corpo um misterioso perfume de rosas que perdurou durante os quatro dias de seu velório. E em 1998, 103 anos depois, Autoridades Eclesiásticas, membros do Tribunal Eclesiástico e também pedreiros que ali estavam presentes fazendo a exumação de seu corpo, também voltaram a sentir o perfume de rosas.

De 1954 a 2012, a Igreja de Nhá Chica foi confiada à Congregação das Irmãs Franciscanas do Senhor, que teve início bem ao lado da Igreja, uma obra de assistência social para crianças necessitadas que até os dias de hoje vem sendo mantida por benfeitores e devotos de Nhá Chica. A igreja construída pela santa, passou por reformas e atualmente quem cuida do Santuário é a Diocese da Campanha, onde os milhares de fiéis vão anualmente pedir ou agradecer graças alcançadas.

*Estagiária sob supervisão da jornalista Priscila Aparecida Silva

Foto de capa: Crédito – Site Caminho de Nhá Chica