“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

*Muitas mudanças, uma morte, um esboço de Impressionismo e uma pausa no azul*

“O que tem de ser traz força”
Erico Verissimo (O tempo e o vento, talvez? Tou citando de ouvido)

“Aquilo amava acontecer”

Marco Aurélio
(frase citada no livro Franny & Zooey, do JD. Salinger, traduzido pelo Caetano W. Galindo em 2020, pra editora
Todavia.

Na minha cópia, muito mais antiga, cujo tradutor e editora não me recordo agora, mas prometo fuçar no escritório, a
citação dizia mais ou menos: “Era uma coisa que adorava acontecer”

Na trilha de mudanças pessoais não tão boas (amo esses eufemismos good vibes, vamos também chamar azar
de falta de sorte), dei uma palestra sobre os impressionistas (minha obra predileta não é impressionista, mas
o Impressionismo é, sim, meu movimento artístico mais amado) e me permiti sorrir com a juventude de
quem me ouvia: caras de espanto ao serem informados e informadas que todos aqueles senhores de terno
com colete e barbas solenes do fim do século XIX era uns rebeldes, uns meninos maus. As meninas, em
número bem menor, eram também umas doidivanas, onde já se viu, quem em sã consciência, Berthe, vai
querer se casar com você, sempre às voltas com tintas, pincéis e esses meninos malucos? (só pra contar,
vários quiseram, mas ela se casou com um dos Manet – Berthe Morisot tinha uma quedinha pelos moços da
família). Garotos e garotas desta terceira década nossinha, idênticos aos jovens de todos os tempos,
encantam-se quando descobrem param para pensar que a vida é mudança, a vida é água turbulenta, a vida é
novidade sobre novidade, umas bem boas, grande parte delas, detestáveis.

Todo o tempo, todos os dias, dentro, fora, para o bem e para o mal, há uma transformação à espreita.
A transformação veio para alterar o que somos e temos, para levar quem amamos, para mudar quem
amamos, para colocar quem amamos nos dizendo coisas cruéis no WhatsApp.

Nossas transformações foram muitas e muitas ao longo das eras. De sapinhos sem pernas (biólogos, chamase licença poética isso aí) à Tamara Taylor com roupa de rendinha, tudo foi transformação. Nossos corpos e
maneira de locomoção. A maneira como fazíamos guerra, a maneira como fazemos guerra. Nossa arte, nossa
comida. Nossos padrões estéticos, nossa forma de plantar e colher. Não deixa de ser interessante observar,
somos os caras mais conscientes acerca da transformação e seus processos, somos quem mais a odeia.
Detestamos que mude a consistência de nossa pele (saudade, colágeno), nossas crias, endereços, certezas,
exigências. Não costumamos perdoar ídolos que mudam. Filhas que cortam o cabelo ou que menstruam não
raro entristecem pai e mãe (Você mudou!). A mudança nos encanta e apavora.
Na tentativa de estar – para além de outras cositas – inventamos a arte. O nós que fica quando outros
tomarem nosso lugar.

O motor da arte, de qualquer movimento artístico e de todos os artistas, é a mudança, é a transformação.
A mudança vem. Isso é inquestionável.
Queremos que tudo mude e, ao mesmo tempo, que permaneça.
Para que nós mesmos possamos permanecer.
Obrigada por estar aqui.
Um dia voltaremos ao Impressionismo.
Na próxima semana voltaremos ao azul – donde, na verdade, jamais deixamos de estar.
Carinho,

Fal é acadêmica correspondente

Por FAL