“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Era manhã do dia 8 de janeiro do ano passado, 2023. Via televisão, ainda modorrenta das
festas do novo ano. De repente um movimento estranho na tela. Era o caos em Brasília.
Populacho enraiveicido promovia quebra-quebra nos.prédios de Brasília, obras de
Niemeyer.
Olhava pasma e me lembrei do dia em que fui comprar pão e na tv da padaria vi aviões
derrubando as torres gêmeas.
O espanto meu era o mesmo. Ai entendi o que uma ex-amiga me dissera. Ela pediu um
tempo em nossa amizade até que as eleições fossem decididas. Argumentei que novo
presidente fora eleito. Ela me disse: “muita coisa pode mudar”. Perguntei se lia jornal. Ela
respondeu: “só whatsapp”. Descobri que fazia parte das tias do whatsapp e dei a ela todo o
tempo que me resta de vida.
O fascismo está ao meu lado, na vizinhança, prestes para dar o bote. Não dorme. Esbarra
nos meus braços, na rua, mas não me contamina.
Minha família de imigrantes fugiu do fascismo. Nasci durante a segunda guerra e minha
avó, cheia de erres, inventava o de comer para as crianças. Era ticket de alimentação tudo
muito restrito. Era criança mas lembro de meu pai, Tonio, chegar em casa com o galão de
leite. Sara, minha mäe, perguntava: conseguiu? Ele nada dizia; destampava o galão e o
emborcava vazio.
Estes tempos ainda ressoavam na memória de uma ex-presa política: eu. Ustra morrera sem
ser.punido e eu, por ser jornalista, ainda amargo marcas da tortura a que ele e a ditadura me
submeteram.
No dia 8 temia o retorno destes dias de céu pesado.
Pela tela da tv escorria sangue que inundava a sala, sujava meus pés e entrava por minha
boca e sufocava.
Via ira, desrespeito na invasão do dia 8, malfadado dia. Sentia a faca remexendo nas
entranhas do Brasil cujo povo defecava nas peças de arte.
Temo que tudo possa ser reprisado e depende do esforço coletivo para que isso não torne a
acontecer pois as feras estão na rua, tomam cafezinho junto comigo no bar da esquina, são
pessoas de bem, de família mas prestes a estripar quem pensa diferente.
Cuidado com a fera meninos. É igual ao carcará: pega, mata e come

Por Esther Lucio Bittencourt