“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

descia pela rua da praia
vindo da praça Anita Garibaldi
passava pelo Guaíba e, se chovia,
olhava a marca d’ água

em frente havia “ao belchior”
onde comprei uma faca de alpaca
para abrir as folhas dos livros
que ainda vinham grudadas

parava na livraria globo e olhava
livros comprava nos sebos
e eram muitos pela cidade
padarias com tentações

mas no “ao belchior” ficava
antes de ir ao trabalho
ao voltar estava tudo fechado
menos o mercado para fazer a janta

hoje pela tv vejo as águas
transbordadas. feridas na cidade.
morte nas esquinas e lojas
será que existe “ao belchior”?

Impressionante e doída a destruição do Rio Grande do Sul. A música ” o sertão vai virar mar o mar
vai virar sertão” está invertida. O RGS virou mar. Mortos, desaparecidos, tudo arruinado. O Guaíba
inundou Porto Alegre pois é lá que os rios desembocam. Uma criança num barco de resgate pediu
ao pai para pegar uma boneca que boiava. Imaginem: não era boneca mas um bebê. Que nosso
sofrimento unido ao do povo gaúcho seja um ato de fé e prece. Oremos para Deus, Alá, Maomé,
Buda, Amon, Rá aos ventos que encaminham bons fluídos para o povo sofrido do sul. Amanhã
poderemos ser nós do Sul Mineiro. Quando mudei para lá, muito jovem, casada, moramos numa
pensão em Porto Alegre até minha barriga aparecer. Era proibido grávidas na pensão. Pela manhã
era servido o café ou seja o mate. Ao lado da mesa onde ficávamos a dona da pensão e sua irmã
tomavam o chimarrão com ruídos ou sugar a bomba. A chaleira no fogão de ferro fervia a água que
era acrescentada à erva. Após a refeição ia para o quarto e jovem marido ao trabalho. Lá li miss
daloway da Virginia Wolf, todos os livros de Thomas Mann os do Veríssimo entre bahs e tchês.
Gostava de caminhar na Rua dos homens em pé, onde senhores encapotado quaravam em réstias de
sol. O cheiro da cidade era de pão fresco, charutos, folhas de livros e, na época do minuano vinha
dos campos o perfume da terra, dos frutos e flores. Nesta época o calor era abafado e úmido mas
segundos após vinha a chuva e o vento frio; era o minuano. Havia ainda disputas entre maragatos e
ximangos.
Hoje vejo um estado destruído e dói em mim. Conhecia bem as fronteiras as charqueadas o cavalo
criolo, e o hábito de após a refeição a sesta da tarde onde as camas eram partilhadas com os
convidados.
Havia sempre um piá atrás de um pingo e o ronco satisfeito da hacienda.
Amigos, peço que torçam por esta gente brava de faca comprida na cintura de mulheres que
empurravam seus homens para a labuta.


Foto: Maciel Machado

Esther Lucio Bittencourt, acadêmica