“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Sou dessas criaturas que amam histórias de amor e livros policiais. Tudo junto e misturado. Aí,
outro dia em que tava num “buraco” de espera, fiquei viajando sobre isso: o que é necessário para
escrever uma história de amor. Pensei umas coisas, enquanto esperava o João na fisioterapia: meio
desordenadas, impressionistas. Certamente nada que de fato “valha a pena”. Só uma maneira de
passar o tempo. Mas é assim, né? Então lá vai.

Como num livro policial, os personagens são fundamentais – ao contrário, por exemplo, das
histórias de espionagem, onde a trama e a ação é que são relevantes. Por isso, aliás, é que não gosto
de livros de espionagem: eu gosto é de gente, e ali os personagens muitas vezes não passam de
esboços. Quanta diferença do Nero Wolfe, do Lord Peter Wimsey, do Dalgliesh da P.D. James, do
inspetor Rebus do Ian Rankin.

Um obstáculo é necessário para estruturar a história: e os exemplos clássicos que me ocorrem são
Romeu e Julieta, Tristão e Isolda. Nessas duas, o obstáculo é externo; eu, de minha parte, tenho
certa preferência pelas histórias de amor em que o obstáculo que impede a realização plena do
sentimento amoroso vem de dentro de um ou dos dois personagens. Quando o impulso amoroso é
bloqueado pela própria moral, pelos próprios limites dos envolvidos. Como acontece, por exemplo,
com Paulo, em Lucíola, de José de Alencar (que eu li primeiro do que a Dama das Camélias, e por
isso é minha referência). Ou no caso da paixão do português Jerônimo por Rita Baiana, no Cortiço
de Aluísio Azevedo. O amor contra a vontade de Eugênio por Olívia em Olhai os Lírios do Campo,
de Érico Veríssimo.

Desses é que gosto, e aí é que encontra semelhança livros de amor/ livros policiais. Eros e Tanatos,
sensualidade e pulsão de morte, domínios de Touro e Escorpião. Nesses casos, a paixão contra os
limites internos não deixa de ser uma forma de assassinato: assassinato de moral. De bons
costumes. De idéias feitas. Rompimento com aquilo em que se foi levado a acreditar e a aceitar
como necessário – pela família, pela educação, pelo meio em que se vive. Luta interna, disputa de
espaço entre o eu-luz e o eu-sombra. Culpa, dores, mortificações. Mortes. Mortes de velhos eus.
Sei lá. Achei que tinha a ver.

Renata Lins é acadêmica correspondente