“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Minha primeira vez no cinema

por Erick Leite
Era o ano de 1986, eu tinha meus nove anos de idade, apaixonado por filmes e futebol. De
família bem humilde e um tanto religiosa, aos domingos meus pais me levavam à missa das
seis. O que mais gostava era quando o padre dava a bênção final, porque logo em seguida,
íamos a um bar que ficava ao lado da igreja comer um delicioso salgadinho e beber café
com leite.
Fascinado por meu time do coração, quase todos os domingos estava lá, no estádio, para
assistir a uma bela partida do tricolor caxambuense. Assim vivia eu, dividido entre dois
amores, bola e tv, sem contar que tinha um grande desejo de assistir a um filme no cinema, o
que ainda não havia acontecido.
Até que certo dia, passando em frente ao cine Caxambu, me deparei com um cartaz que
assim dizia:
— Estreia neste sábado o filme “Os trapalhões e o rei do futebol”.
Fiquei entusiasmado, pois nunca tinha entrado em um cinema, era fã dos trapalhões e um
dos participantes do filme era o astro do esporte mais popular do mundo, rei Pelé. Meus
olhos brilharam diante daquele anúncio e coloquei na cabeça que iria ver o melhor jogador
do mundo em uma tela maior — há! e colorida.
Porém, havia um agravante, meus pais não tinham dinheiro para que eu pudesse comprar o
ingresso. Mas isso não matou o meu sonho; pensei — vou lavar carros lá na praça da cidade,
pois assim, levanto uns trocados e também a minha esperança de entrar no cinema pela
primeira vez.
Após um dia de duro trabalho veio a recompensa, o dinheiro estava no bolso e a sessão da
noite garantida. Às 18h lá vou lá vou eu, com um sorriso de orelha a orelha e o coração
disparado como um guepardo na savana. Parecia coisa boba, mas não para um menino pobre
que sonhava ver Pelé bem de pertinho, mesmo que fosse na telona do cine de caxambu.
Descia o morro do Santa Tereza me perguntando:
— Como deve ser a sala, a tela e o assento do cinema?
E eu mesmo me respondia: — seja lá como for, o que importa é que hoje vou dar muitas
gargalhadas e não farei isso sozinho.
Logo que cheguei, me acomodei na poltrona e alguns minutos depois a tela brilhou e com
ela os meus olhos. O filme começou e como disse, foram tantas risadas que jamais me
esquecerei da minha primeira vez em um cinema.


Erick Leite, acadêmico.