“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

A Academia Caxambuense de Letras inicia as comemorações de natal neste ano de 2022, com publicações sobre a ceia natalina. Desejamos à todos um Feliz Natal e um ano de paz.

Conta-se em velhos registros que a Ceia Natalina era um ajantarado farto, em que pessoas de uma mesma família tradicional assentavam-se ao redor de uma grande mesa de madeira, coberta por toalhas de linho, bordadas, para serem servidos das guloseimas, nas enormes travessas de prata, nos pratos em porcelana e talheres em ouro. Todo esse aparato e preparo tinha como objetivo comemorar o nascimento do menino Jesus, numa sala ampla onde também ficava montado o presépio e a grande árvore de Natal enfeitada com bolas multicoloridas refletindo os festejos daquele dia. Dava-se para imaginar o cenário, tão grande eram os escritos daquele velho livro! Eu sempre gostava de ler e imaginar esses contos!

A casa grande, na roça, quando iam aproximando as festividades do natal, minha mãe logo tratava de escolher no quintal uma galinha poedeira para cozinhar para a Ceia do Natal. Ela dizia que aquela, de penas avermelhadas, estava boa para o abate, pois por dentro estava gorda com suas ovas perfeitas para uma boa farofa. Vai entender o fato !…

Mas era exatamente tudo isso que ela dizia. Ela era sábia. Preparava o prato perfeito para a nossa Ceia Natalina!

Às quatro horas da tarde, era assim como contávamos as horas naquela época, ela jogava o milho para tratar das galinhas para irem para o poleiro e num solavanco certeiro agarrava-a pelo pescoço. Coitada! Era uma gritaria só. Minha mãe não tinha dó. A galinha escolhida ia direto para o tacho de água fervente, depois de ser degolada sem piedade.

Enquanto isso saíamos para brincar. Eu, com minhas irmãs e meu sobrinho, que morava conosco por motivos sérios, sentíamos de longe o cheiro delicioso de um refogado que vinha das bandas da cozinha enquanto a fumaça da
chaminé do fogão a lenha, acenava, certificando-nos daquilo que tanto queríamos saber. Labaredas a todo vapor! Com certeza a galinha já estava sendo preparada com todo aquele tempero típico das festas natalinas. Íamos correndo para a cozinha para ver aquela panela grande, de ferro que tomava todo o fogão, e minha mãe, escaldando a galinha misturando pimentas coloridas e um ramalhete de ervas aromáticas, fazendo movimentos circulares dentro da panela. Depois de quase pronto colocava um pedacinho daqueles que se desprendiam dos ossos, nas nossas bocas famintas, sem que pedíssemos. Acho que era para que não aguássemos, segundo a lenda. Saíamos dali saltitantes e felizes para nossos ligeiros banhos mornos de bacia de zinco com sabonete Gessy Lever certos de que íamos nos deleitar na Ceia Natalina com aquele
enorme prato de galinha de panela, com macarronada, farofa de miúdos, arroz branquinho e ovos amarelinhos.

Minha mãe vinha com uma grande toalha de fustão branco e a estendia na grande mesa da cozinha. Nós íamos tomando nossos lugares silenciosamente nos bancos, respeitando a cabeceira que seria do meu pai já muito idoso. Ela ia
distribuindo os pratos cheios daquela iguaria deliciosa um a um até que todos estivessem servidos. As lamparinas acesas em cima do fogão, davam uma luminosidade deslumbrante aos pratos e as grandes panelas pretas e oleosas. O silêncio e o perfume daquela Ceia era a oração do momento. Uma pitada de amor do menino Jesus que acabou de nascer completava o tempero do prato. A Ceia estava servida. Tão deliciosa! Minha mãe permanecia de pé pra ajudar o meu pai. Com seu prato na mão, ao mesmo tempo, saboreando conosco. O menino Jesus já havia nascido e nem era meia noite lá na roça. Estava lá no
cantinho, na manjedoura, quietinho, caladinho, eu sabia, eu via quando a minha mãe saia de fininho e o colocava lá, escondido de nós, quando estávamos todos assentados entretidos com a Ceia. Sabíamos que depois que acabássemos de
saborear a ceia e comermos os doces de fios de ovos, iríamos brincar de pegar o menininho da manjedoura, pois já sabíamos que lá na roça o Papai Noel nunca ia porque não encontrava o nosso endereço… Então, nós brincávamos com o
menino Jesus e Ele por sua vez… brincava conosco, todos felizes e refestelados daquela inesquecível ceia Natalina.

Maria do Carmo Rodrigues – Presidente da Academia Caxambuense de Letras 2022/2023