“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

A Livraria São José cerrou as portas. Lá ainda bem jovem ouvi de Manoel Bandeira: “nunca faça
poemas, você não serve para isto, escreva seus livros mas nunca poesia”. Ficamos amigos e quase
todas as tardes ele me telefonava. O tempo passou. Já adulta o jornal me escala para entrevistar
Drumond. Quem conseguia? Ele trabalhava num canto do Mec, no que hoje chamam de baia, eu
pegava uma cadeira e ficava muda atrás dele. Ele saía, ia atrás. Era um andar pelo Rio. São José e
Vana na Leonardo da Vinci. Ambos mudos. Eu a sombra ou sobra que o perseguia. Já era figurinha
carimbada nas duas livrarias. Seu Carlos, como o Mônaco em Niterói, indicava leuturas e trocava
livros que não mais queria. Na Vana catava publicações estrangeiras.

Lá estou fazendo curvas! Bem, seguia Drumond. Dia após dia. Por fim nos falávamos,
conversavamos, mas não era entrevista. Primeiro parava na São José depois na Vana. Todos os dias
chegava no jornal de mãos abanando: entrevista não tinha. E no dia seguinte e no outro a mesma
procissão: eu fui sombra e depois seguia ao lado em conversas.

Foram dias. Eu prometera que conversa não seria entrevista. Nas livrarias cada um via seu interesse
e ele nunca me driblou. Dizia: já vou. Na Vana nos despedíamos. O jornal cobrava e eu de mãos
vazias como repórter mas plena de conversas curtas, quase lacônicas. Eu sombra ele esquálido.
Pelas ruas do rio ouvia nossos passos no meio do tumulto da rio branco, pequenas vias, são josé,
sentia o barulho do esfregar das roupas nos corpos. Até as respirações que caminhavam com os
passos no compasso percebia.

Até que o jornal desistiu. Perguntei: posso fazer a matéria do que poderia? Concordaram. Fiz a
matéria da entrevista nunca concedida.

O tempo passou. Como sombra ganhei outro amigo e quando seu Carlos editou e lançou meu
primeiro livro, em 1975, Nélida Piñon fez a lista de críticos para quem deveria enviar. Minha amiga
Carmem da Silva prefaciou e Drumond me escreveu um lindo cartão. Deste lançamento, já com
filho pequeno, lembro de Carmem e Claudio e Aníbal Bragança que dançaram tango lá em casa.
Seu Carlos, onde esteja, estará sempre na minha estante presente em todos os livros que me indicou.
A livraria São José é uma célula sadia e jovem do meu corpo antigo.

10 de maio de 1976

Esther Lucio Bittencourt

O irascível (mas nem tanto) o casmurro ( lá isso é verdade) não entrevistado de anos antigos abre um sorriso de simpatia, e o coração também, para agradecer o oferecimento de ” No País das Palavras Onde Moram os Homens Mudos. Contos palpitantez de vida: e o que dá título ao volume basta para recomendar à autora à nossa admiração.

Cordialmente

Carlos Drumond de Andrade

Esther Lucio Bittencourt, acadêmica