Chego, nada vejo!
Onde estão os vis mortais?
Onde estão os pássaros com seus gorjeios?
E as vitrines? Onde estão os milenares vitrais?
Onde está o colorido barroco,
os curiosos…
os romeiros…
Onde estão os crentes e a natureza?
Grito… nem meu eco responde.
Onde está tudo? Onde está meu Deus!
Não vejo nada… Silêncio profundo,
sombras taciturnas vagueiam sem rumo
indecifráveis… disformes
parece-me que estou em outro mundo,
em meio a outra clã, outro planeta
Só o vento sopra por entre as beiras
enquanto sob a tênue luz uma placa balança
assim, sem graça…cambaleia
e nela se lê: Largo da Candelária!
Mas,
Cadê o Largo com sua alegria!
Antes era um Largo soberbo,
de tradições, encantos e quebrantos…
de repente se lamacea e fede algo podre,
talvez a ignorância dos mortais
exaladas de uma latrina
da cruel matança…da cruel chacina!
Ah, vidas ceifadas de inocentes
que, na calçada, sob o brilho insistente
do luar que prateia, vultos inertes
de pequenos seres que fugiam, se escondiam
por entre trapos, farrapos, folhas de jornais
em pleno tédio…
Seres errantes jogados ao léu,
por teto, simplesmente a imensidão do céu.
Nada mais são que minúsculos caramujos
que carregam suas casas, seus sonhos
embrulhados em folhas de esperanças…
Pobres e desamparadas crianças!
Vejam, não mais reluzem os pedregulhos,
estão vermelhos, tintos de sangue…
Mistura de pranto e desafeto
desses pequenos filhos do acaso,
de pequenos olhos esbugalhados,
estarrecidos…dilacerados pela fome bruta
que os devora…
Nada tinham esses pequenos de rua…
Nada! Só o frio a açoitar-lhes a carne,
das frágeis mãos estendidas a pedir ajuda,
quem eram eles?
Um João, um Mané ou um Tião…
Não vieram de lugar algum e nem tão pouco vão…
Eram pequeninos seres inanimados…
Corpos ao chão…
Dormiam!
Dormiam apenas por entre restos de vidas,
Traziam nos lábios o meigo sorriso,
O sorriso que pereceu no último grito…
“poupem-nos irmãos… Não somos bandidos!”
Mas,
Gotas opacas pelos corpos suados
escorreram, enquanto o luar pela calçada
permanecia estático, única testemunha
em completa solidão, da matança desumana…
Por quanto o estampido da fria e direcionada arma
descerrou o pano da miséria profanas,
interceptaram os meninos em suas caminhadas
rumo ao incerto, mas com tênues esperanças.
Mas agora…
Agora não mais importa!
Daqui se pode ouvir o alarido
dos meninos de rua, em plena liberdade
pelos céus…chutando estrelas, piscando pra lua no infinito
encontraram por fim seus destinos estão, felizes…
Por que na terra…o que fizeram esses meninos?
O que reivindicaram esses seres desamparados?
Não muito!
Só queriam carinho, um pouco de calor,
um prato de comida, um lampejo de amor!
Queriam um espaço só seus, junto à humanidade.
Não lhes deram… não lhes proporcionaram nada…
Mas agora,
Agora não importa…
Voem meninos de rua… voem!
O espaço sem barreiras, sem preconceitos,
é todo seus…não se acanhem… Voem!
Vão brincar, sorrir, sentir a liberdade,
afinal, o mundo não lhes valeu de nada.
Agora vocês são livres, ganharam asas…
A terra agora é mera paisagem…
Voem meninos… Voem!
Percorram como brisa o infinito,
voem… voem em vôos rasantes e em revoadas,
sobrevoem meninos…sobrevoem a Candelária…
E ao anoitecer, voltem…
Voltem sempre meninos pra seu reino
Voltem meninos para junto de Deus!