“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Era uma vez um pássaro que fora abandonado em seu ninho poucos dias após seu nascimento. Sua
mãe, quando o viu sair do ovo, ficou chocada com aquela criatura esquisita, um passarinho sem asas
e com uma pinta roxa no alto da cabeça.
Logo pensou:
— Esse bichinho vai ser uma pedra de tropeço nos meus ares, pois terei de carrega-lo nas minhas
costas o resto da vida.
Então, a mãe cujo nome era Nency, deu-lhe o nome de Percy e resolveu que iria alimentá-lo por
alguns dias e depois o deixaria de vez.
Não demorou muito e a mãe daquela pobre criatura o abandonou, deixando-o à mercê da sorte.
Bem, de agora em diante, o pobre filhote teria de se virar sozinho, aprender a se adaptar em meio a
natureza que lhe negou o que as aves dos céus mais necessitam para voar (…) um par de asas.
O ninho do filhote ficava no topo de uma enorme árvore, o filhote era uma espécie de falcão,
porém, um desasado. Percy só não morreu de fome porque algumas aves de bom coração, ao
perceberem a situação da avezinha, sobrevoavam o ninho pela manhã e à tarde deixando cair
algumas migalhas de comida em seu bico aberto para o céu. Água, só bebia quando chovia e por
sorte, vivia em uma região de muitas chuvas.
O tempo passava e o pequeno desasado ia crescendo até que se tornou em um jovem pássaro, mas
não havia condições de descer daquela imensa árvore. Percy começou a chorar e a se lamentar em
tom bem alto:
— Hó vida miserável, como poderei sobreviver neste lugar? Serei um eterno dependente das outras
aves para jogar migalhas de comida no meu bico e esperar até que chova para matar minha sede?
Coitado! Lamentava-se e chorava cada vez mais, quando de repente, pousou em seu ninho uma
águia muito linda que lhe perguntou:
— Por que choras meu jovem de cabeça pintada?
— Dona águia, sou um pássaro como os outros da minha espécie, um falcão, mas a diferença é que
não possuo asas e fui abandonado por minha mãe quando ainda era um bebê e agora, estou
condenado a viver no alto desta gigante árvore para o resto da minha vida.
— Não se preocupe pequeno falcão— falou dona águia. Vou contatar minhas companheiras de voo
e traremos uma solução. Aliás, qual é o seu nome meu rapaz?
— Me chamo Percy, é só o que sei.
Dona águia abriu suas imensas asas e voou aos céus à procura de suas amigas. Ao longe, avistou as
companheiras sobre uma montanha rochosa, deu um rasante e pousou junto delas.
— Olá amiga, de onde você está vindo com tanta pressa e por que essas lágrimas nos olhos? —
Perguntou uma das companheiras.
— Queridas colegas, estou com o coração partido, pois encontrei um jovem falcão no alto de uma
imensa árvore que chorava amargamente.
— Mas chorar, todo mundo chora (…) não vejo motivo para tanta aflição.
— É que vocês nem imaginam a situação daquela infeliz ave. O que acontece, é que o pequeno
falcão foi abandonado pela própria mãe quando ainda era apenas um filhote e para maior
sofrimento, ele não possui as duas asas.
Dona Águia acabou de contar e desabou-se em grande pranto e suas amigas também não puderam
segurar o choro. Após alguns minutos, uma delas disse:
— Amigas, conheço alguém que poderá dar uma solução para esta triste situação.
— Mas quem e como poderá ajudar aquela triste ave sem asas? — Perguntou dona águia.
— Conheço um velho e sábio corujão e tenho certeza de que ele poderá nos ajudar a encontrar uma
solução para este caso quase impossível. — Disse uma das amigas.
— Quase impossível? Você está brincando! Estamos diante de uma situação totalmente impossível,
não há o que fazer. — Disse uma outra dentre as amigas e começaram a discutir o caso.
Dona águia tomou a palavra e bradou:
— Quem tiver compaixão, voe comigo até a casa do sábio corujão do qual sugeriu nossa querida
companheira. Estou com fé de que ele irá nos ajudar. Todas concordaram e bateram asas em direção
à casa do velho sábio. Chegando na residência do senhor corujão, dona águia o cumprimentou e
contou com detalhes a razão de sua visita juntamente com as companheiras.
O senhor corujão ficou comovido e falou para elas:
— Vou ajudar, mas preciso que vocês me tragam penas de falcões, encontrem quem possa doar.
Farei um par de asas e este problema será solucionado.
Dona águia e suas amigas saíram em disparada à procura de doadores de pena. Foram a vários
lugares, montanhas, florestas e rochedos, mas nenhum falcão dos que elas encontraram, tiveram
compaixão e se recusaram a doar uma pena se quer.
Elas não desanimaram, continuaram sobrevoando as montanhas mais longe que avistavam e qual foi
a surpresa, quando dona águia, com seus olhos penetrantes avistou um falcão numa fresta de uma
montanha rochosa. Deu um rasante e aproximou-se daquele pequeno refúgio e se deparou com uma
falcão, já numa idade avançada, sem forças para voar e muito triste. Dona águia pediu licença,
chegou bem perto e perguntou?
— Senhora falcão, por que estes olhos tão tristes, precisa de ajuda?
— Não, obrigada! Sou apenas uma ave má, que está arrependida por ter cometido uma maldade
muito grande no passado. Mas (…) deixe! O que vocês fazem aqui?
— Precisamos de doadores de penas, pois encontramos um jovem falcão no alto de uma árvore que
nasceu sem asas e necessita de ajuda. Ele nunca desceu daquela grande árvore e somente sobreviveu
porque algumas aves bondosas o ajudaram no decorrer dos anos.
— E o que vocês farão com as penas? Já conseguiram alguma?
— Ainda não conseguimos nenhum doador. Temos um conhecido, o senhor corujão, a quem
pedimos ajuda por ser um grande sábio e ele nos pediu para conseguirmos penas de falcão, pois
assim, poderia confeccionar um par de asas para ser colocado na jovem ave desasada.
A senhora falcão engoliu seco e ficou calada por alguns minutos refletindo e falou consigo mesma:
— Só pode ser o meu Percy, meu pequeno filhote, o qual abandonei há anos.
Dona falcão verteu lágrimas e chorou muito, chorou tanto que sua cama de capim com galhos ficou
toda encharcada. Chorava e soluçava, pois seu coração estava cortado, sangrava de tanto
arrependimento por abandonar à sorte o próprio filho.
Após longo período de choro e reflexão, disse para dona águia?
— Serei a doadora, podem levar as minhas duas asas.
Dona águia e suas amigas ficaram espantadas.
— Mas e a senhora, vai ficar sem asas? Só queríamos algumas penas, por isso estamos voando a
dias para tentar conseguir com doadores diversos.
— Não preciso mais dessas asas, retirem-nas e vão socorrer aquele que ainda tem muitos ares para
voar.
Dona águia e suas amigas retiraram as asas de dona falcão com muito cuidado, agradeceram,
beijaram-lhe a face e bateram asas em direção a casa do senhor corujão.
Ao chegar com as companheiras, dona águia entregou as asas ao velho sábio.
— Queridas águias, eu pedi penas e não duas asas. Como vocês conseguiram isso?
— Foi uma velha falcão que encontramos numa montanha rochosa. Contamos o caso e ela se
apiedou oferecendo seu par de asas. Não queríamos, mas ela insistiu para que trouxéssemos e aqui
estão as asas. — Disse dona águia.
O velho e sábio corujão ficou impressionado com a coragem de uma velha falcão que não pensou
em si mesma, mas na dor de outra criatura que tanto necessitava de ajuda, mesmo que isso lhe
custasse a própria vida.
O senhor corujão partiu juntamente com as águias para o ninho do jovem falcão. Ao chegar, o velho
sábio implantou as asas na jovem ave e ordenou que repousasse por dois dias e incumbiu dona
águia de ajuda-lo no primeiro voo. Após dois dias, dona águia encorajou o jovem falcão a saltar do
ninho e bater as asas sem medo. E assim ele fez e saiu voando meio desajeitado, porém, as águias
iam ao seu lado para protegê-lo caso houvesse algum incidente. Percy treinou por uma semana junto
das novas amigas e finalmente já estava pronto para bailar nos ares.
Percy agradeceu as águias, beijou-as e saiu voando sobre florestas e montanhas. Sua vida foi
mudada, era independente, mas alguma coisa ainda o incomodava, mesmo podendo voar, cantar e
sorrir, seu coração parecia querer dizer algo, só que ele não compreendia e as vezes a tristeza o
pegava de surpresa.
Certo dia, o jovem falcão resolveu sobrevoar uma montanha rochosa que ficava bem longe de sua
casa. Do alto, conseguiu enxergar alguma coisa se movimentando na fresta da montanha rochosa.
Como já estava habilidoso em voar, deu um rasante e pousou na pequena toca que avistara. De
repente, ouviu uma voz fraca e triste que saía de um ninho feito de capim e galhos:
— Quem é você e o que quer aqui?
— Me chamo percy minha senhora, não tenha medo, pois não lhe farei mal algum. A senhora
precisa de ajuda? De comida ou de água? Vejo que não tem asas, o que aconteceu e como faz para
se alimentar e beber água?
— É uma longa história meu filho! Algumas amigas sempre passam por aqui e deixam um pouco de
comida e outras trazem água no bico e assim vou sobrevivendo sem poder sair deste lugar.
— Mas o que aconteceu com suas asas? Elas caíram ou foram arrancadas por algum inimigo?
— Sabe senhora, eu nasci sem asas e fui abandonado ainda filhote no alto de uma árvore. Não morri
de fome porque aves bondosas cuidaram de mim. Quando cresci, algumas águias de nobre coração
juntamente com um certo senhor corujão, velho e sábio, trouxeram um par de asas que conseguiram
não sei onde e implantaram em meu corpo e hoje posso voar para qualquer lugar.
A senhora falcão reconheceu o seu filho quando viu a pinta roxa em sua cabeça e mas o jovem
falcão não a reconheceu. Então ela disse a ele:
— Escute meu filho, sei que não mereço, mas peço o seu perdão para que eu possa morrer em paz.
Fui eu quem te abandonou há muito tempo quando mais precisou de mim, quando ainda era um
filhote e sem asas. Eu era jovem, saudável, queria aproveitar a vida e como você tinha uma
deficiência, com meu egoísmo, pensei que seria um fardo para mim, cuidar de um falcão sem asas.
Perdi minha saúde e passei a viver neste local sozinha e triste, pensando o que poderia ter
acontecido com o único filho que tive e abandonei. Até que um dia, chegou aqui umas águias
pedindo doação de penas para um pobre falcão que nasceu sem asas. Não disse nada a elas que fui
eu quem havia abandonado esse pobre filhote e pedi que retirassem as minhas duas asas e as
levassem para que fossem implantadas no jovem falcão.
Ao ouvir isso, Percy se pôs a chorar, abraçou sua mãe e disse com a voz trêmula:
— Minha mãe, não importa o que passou, eu te perdoo de todo o meu coração e de agora em diante
vou cuidar de você. Somente uma mãe poderia fazer o que fez, doar as próprias asas ao filho, deixar
de voar para ver o filho voar.
Nency olhou nos olhos de percy e falou:
— Agora sei que poderei morrer feliz e em paz, pois recebi o maior presente nesta vida meu
querido, vê-lo novamente e ter o seu perdão.
Mãe e filho puderam desfrutar da companhia um do outro e recuperar o tempo perdido, aprendendo
a lição de que o verdadeiro perdão cura as feridas abertas no passado. Um mês depois, Nency estava
deitada no colo de seu filho e ele a acariciava quando ela deu o último suspiro e dormiu
profundamente para nunca mais acordar.
Percy a sepultou no alto de uma linda montanha sob uma frondosa árvore e proferiu as seguintes
palavras:
— Minha querida mãe, vá em paz pois eu estou em paz…

Erick Leite é acadêmico