“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Uma das paixões de meu professor, o admirável Cesar Pernetta, era a educação das crianças. Foi um estudioso que viu além de seu tempo. Recomendo o seu espetacular livrinho “Amor e Liberdade na Educação das crianças”.

Vez por outra me deparo na internet apologistas das palmadas nas crianças, castigo físico, e dizeres de que passei por isto e sou uma pessoa boa e sem traumas. Tem até uma figurinha clássica da provável mãe dando chineladas em uma criança enquanto outra criança chora ao lado. Não se sabe se já apanhou ou se ainda vai apanhar. E abaixo vários comentários de apoio ao método, sob os mais diversos pseudo argumentos. Nada mais equivocado! E uma triste figura e triste lembrança!

Não é bem assim que demostram vários estudos críticos e muito bem conduzidos

É emblemático o estudo mais clássico, tendo em vista a enorme casuística, a elegância metodológica, e o tempo de acompanhamento – 50 anos (estudo longitudinal). Foi realizado na universidade de Michigan, uma das mais respeitadas instituições de ensino do nosso Planeta. Isto mesmo: acompanharam por 50 anos mais de 150 000 indivíduos, com acompanhamento da educação e dos métodos empíricos adotados pelos Pais. Foi dividido em 3 grupos em sistema duplo cego: 1 grupo em que as crianças eram submetidos a castigos físicos intensos, outro com castigos físicos leves e o 3º sem castigos físicos algum.

Outras instituições, depois fizerem estudos semelhantes embora em menor tempo de acompanhamento, inclusive no Brasil, com resultados idênticos. Estes estudos não deixam dúvida alguma.

Vamos lá aos resultados, em resumo:

  1. O grupo de crianças submetidas a castigos físicos rotineiros e intensos tiveram prejudicados o desenvolvimento do cérebro: “A neurociência mostra que punições físicas frequentes podem causar alterações no volume do cérebro, em áreas ligadas ao aprendizado e à tomada de decisões. Também há evidências de que a medida resulta em menores coeficientes de inteligência, o chamado QI, e a baixa autoestima também”, Esta conclusão foi corroborada a pouco tempo por estudo especifico neste aspecto na USP.
  2. O grupo de crianças submetidos a castigos leves tiveram, em média, menos QI das que não foram submetidos a castigos físicos algum. Estudo também corroborado na USP, para citar apenas uma instituição Brasileira
  3. A crianças aprende que a violência serve para resolver problemas “Apanhar é uma situação totalmente incoerente e que confunde a criança. Apesar de acreditarem que estão educando os filhos para fazer parte da sociedade, os pais pregam a violência como forma de educação em casa. Então, na escola ou na rua, a tendência é que a criança repita o comportamento negativo da família e aja da mesma forma, socando o amiguinho ou praticando bullying”,
  4. Perpetua o comportamento que deveria ser corrigido Se uma criança, por birra ou pirraça, joga a comida no chão e quebra o prato, precisa entender que a atitude gerou um desperdício e que ficou sem ter o que comer. Trata-se do efeito de sua atitude. Se apanha, o que vai aprender? “Ela pode até se retrair, mas por medo, não por respeito. E por causa da força, não por assimilar o entendimento de sua ação”
  5. Causa confusão de sentimentos Crianças costumam nutrir um amor incondicional pelos pais. E esse sentimento não se quebra nem mesmo quando apanham. O que costuma acontecer, porém, é que meninos e meninas vítimas de violência sofram com baixas autoconfiança e autoestima. “A violência quebra a fonte de amor e carinho da criança, que é a família, e produz uma relação antagônica entre demonstração de amor e violência… “Ai está a raiz de muitos problemas, inclusive o atualíssimo problema da violência contra as mulheres. Bate em quem ama, mata até quem ama.
  6. A criança fica com dificuldade de identificar e denunciar abusos Sofrimentos e abusos fora de casa podem ser omitidos. A violência afeta drasticamente o relacionamento entre pais e filhos. “Imagine a mensagem que damos quando nossos filhos aprontam e partirmos para a surra, sem levar em considerações outras alternativas que têm um efeito muito mais eficaz?” “A mensagem é: eu apronto e apanho. E quando essa criança estiver em situação que precisa ser protegida pelos pais? Será que ela terá confiança de contar o que se passa? Muitas vítimas de abuso se sentem culpadas pelo próprio abuso. A criança pode pensar ‘se eu apanho porque fiz algo errado, então nem vou contar nada’. É essa a lógica que, infelizmente, será adotada”
  7. A criança se torna uma pessoa agressiva também Crianças que apanham têm maiores chances de se tornarem agressivas na adolescência e na vida adulta… estes estudos mostraram claramente que a imensa maioria, mais de 99%, de adultos marginais e que estão responsabilizados por crimes os mais variados são do grupo que foram intensamente castiços ou moderadamente castigados. Entre o grupo que não sofreu castigo algum menos de 7.5% estão nas penitenciarias Americanas
  8. Igualmente adultos com quadros de demência ou depressão grave, que apresentam estatística muito semelhante. “Os traumas podem aparecer na forma de depressão, ansiedade, timidez excessiva, mal comportamento, expressividade violenta, dificuldade de se relacionar com os outros, entre outras questões, especialmente de saúde mental”… –

Ai vem a pergunta, como então educar e estabelecer limites ao meu filho, já que “bater” é de modo algum? Nem uma palmadinha não pode? Os estudos mostram claramente: NÃO PODE. Nem uma palmadinha.

Em uma próxima coluna teremos a reposta para esta intrigante pergunta: como educar meus filhos, então?

Edson Lopes Libanio – Pediatra