“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

Conhecido e reconhecido por muitos historiadores como “O Pai dos Choro”, merecendo
até uma biografia (1), Joaquim Antônio da Silva Callado Junior, ou simplesmente
Callado Junior, nasceu no Rio de Janeiro em 11 de julho de 1848 e faleceu na mesma
cidade em 20 de março de 1880, aos 31 anos de idade.
Callado Junior, como se percebe na gravura acima, era um mestiço que usava sempre
um pince-nez, e espessos bigodes caídos nos cantos da boca.
Sua música mais conhecida, a polca “Flor Amorosa” foi editada logo após sua morte, e
se popularizou quando o poeta Catullo da Paixão Cearense nela colocou belos versos.c
De acordo com Marcelo Verzoni (2), o pesquisador de música latina e
etnomusicologista Gerard Béhage afirmou que:
Callado funda o primeiro grupo de chorões, o “Choro Carioca”, em 1870,
e segundo o musicólogo Batista Siqueira, os instrumentos tocados pelos integrantes
desse grupo eram os seguintes: flauta, cavaquinho e violão (dois).
Não era difícil encontrar, naquela época, quem ensinasse a tocar esses instrumentos.
Quase vinte anos antes de 1870, era possível encontrar um único professor que ensinava
a tocar os três (3):
Lições de flauta, violão e cavaquinho, na rua da Prainha, nº 8, loja.
Ou ainda (4):
Lições de flauta, violão, rabeca e cavaquinho na rua da Prainha nº 35, loja do
relojoeiro.
Não se sabe se sua mãe, Matilde Joaquina de Souza Callado, tocava algum instrumento
musical. Seu pai, Joaquim Antônio da Silva Callado, tocava cornetim e trompete e era
professor de música e regente da Banda da Sociedade e Música União de Artistas. Ele
também foi mestre de cornetas, e tambores na Banda de Música do Batalhão do
Depósito (5).
Callado Junior teve sólida formação musical, iniciada com seu pai, professor de
música, trompetista, cornetista e mestre da Sociedade de Música União dos Artistas. Foi
aluno do grande Henrique Alves Mesquita, um pouco antes do mestre viajar para a
Europa.
Henrique Cazes conta (6) que Callado Junior também estudou com o flautista belga
Mathieu-André Reichert.
A primeira aparição pública de Callado Junior foi na festa em benefício do artista
Manoel Vieira Rosa, no Teatro de São Januário, realizada em 27 de dezembro de 1860 .
Ele contava apenas com 12 anos de idade e, na ocasião, ele tocou na flauta, de sua
autoria, a fantasia sobre motivos da ópera Traviata, de Verdi e também a fantasia sobre
os motivos da ópera Linda de Chamounix, de Donizetti, executada no clarinete (7).
Em 30 de dezembro de 1864, como aluno do Conservatório de Música, recebeu a
medalha de prata na aula de rabeca, conforme noticiou o Diário do Rio de Janeiro (8).
No ano seguinte, em fevereiro, casou-se com Feliciana Adelaide de Barros.
Em 19 de junho de 1867, faleceu seu pai, aos 52 anos, vitimado por uma endocardite.
Entre 1867 e 1869 foram divulgadas as seguintes obras de Callado Junior: a quadrilha
Carnaval, e as polcas Querida por todos e Sedutora, estas últimas do período em que
Callado conviveu com a maestrina e compositora Chiquinha Gonzaga (Francisca
Edwiges Neves Gonzaga).
Se pudermos pensar num ano mágico para Callado Junior, este foi, sem dúvida alguma,
o ano de 1873! Vejam, a seguir, as duas principais notícias:
i) O cartaz abaixo (9) mostra o programa do concerto dado por Callado no Theatro D.
Pedro II, com a presença do próprio Imperador e da Imperatriz, em 26 de setembro
daquele ano.
Na primeira parte, a orquestra do teatro, regida pelo maestro e compositor Henrique
Alves de Mesquita, executou a polca Imã, composição de Callado. Em seguida, foi a
vez de ser apresentada a peça Grande Fantasia Expressiva e de Bravura, composta e
executada por Callado.
Já na segunda parte do concerto, a orquestra interpreta, de Callado, a polca Linguagem
do Coração. Em seguida, a Grande Tarantela de Concerto, composta e executada por
Callado.
Por fim, na terceira parte, a orquestra interpreta Tagarela, mais uma polca de Callado e,
em seguida o autor interpreta seu Concerto Característico.
Uma novidade foi o dueto de flauta e clarineta, por Callado e Domingos Miguel, na
interpretação dos Motivos sobre a ópera “Simon Boccanegra”, de Verdi.

ii) O jornal Gazeta de Campos (9) anunciava a realização de um concerto, dado por
Joaquim Antônio da Silva Callado, no Theatro São Salvador, naquela cidade, em 30 de
dezembro. O impacto causado pela apresentação de Callado foi de tal ordem que o
mesmo jornal, no dia seguinte ao concerto, dedicou sua primeira página inteira a exaltar
as qualidades daquele artista quer como compositor, quer como intérprete. Fecha a
matéria, uma poesia de autoria do poeta campista Eleutério Lima, que reproduzimos
abaixo:

Bem, até agora foi apresentado o lado erudito de Callado Junior. Porque não falar logo
do seu lado chorão? Vou me valer das palavras de Henrique Cazes, em seu já citado
livro, ao se referir ao período em que a música dos chorões se propagou para além das
rodas, pelas bandas de música e pelo teatro de variedades:
“Historicamente, é o período em que se configuram duas categorias que, ao interagir,
vão influenciar os destinos do choro e da roda de choro ao longo de um século e meio.
A primeira dessas categorias proponho chamar de mediadores profissionais, ou seja,
músicos cultores do choro que atuavam profissionalmente em segmentos variados e
mantinham contato com a roda de choro. A segunda categoria, que chamarei de
especialistas amadores, era composta por músicos de atuação exclusiva, ou quase
exclusiva na roda de choro. O papel de mediação entre o mundo da música profissional
e o ambiente informal da roda haveria de ser desempenhado por músicos tecnicamente
aparelhados para tal empreitada.”
É exatamente aí que se justifica toda essa apresentação da formação erudita de Callado.
Ele é, essencialmente, um mediador profissional que vai dialogar musicalmente com
músicos amadores ou semiamadores, como aqueles descritos no essencial livro O
Choro, de Alexandre Gonçalves Pinto (publicado em 1936), e que tocaram com
Callado. São eles os flautistas Luizinho, Capitão Rangel e Viriato Figueira da Silva,
Leal Pereira (oficleide) e os violonistas Juca Valle, Benigno Lustrador e Voltaire, entre
outros.
No dizer de Alexandre Gonçalves Pinto, também conhecido pelo apelido de “Animal”
(Existe uma história deliciosa sobre a origem desse apelido), “Callado foi um flauta de
primeira grandeza e ainda hoje (1936) é lembrado e chorado pelos músicos desta
época, pois as suas composições musicais nunca perderam o seu valor. Na sua flauta,
quando em bailes e serenatas, Callado tornou-se um Deus para todos que tinham a
felicidade de ouví-lo…..Callado foi o rei da música naquele tempo.”
Recomendo fortemente o livro O Choro, reminiscências dos chorões antigos, de
Alexandre Gonçalves Pinto, em sua 3ª edição comentada, revisada e ilustrada, incluso
um CD com músicas representativas daquela época (Acari Records, 2014). Entre essas,
a polca Saudades do Cais da Glória e a quadrilha Familia Meyer, ambas de Callado.
Apesar de algumas inconsistências e também informações incorretas, trata-se de um
livro fundamental, que deu vida à inúmeros chorões, de 1870 à 1936.
Como complemento do livro acima citado, recomendo o livro O Baú do Animal, de
Pedro Aragão (Editora Folha Seca, 2013).
Outro livro indispensável é o “Choro, do quintal ao Municipal”, do Henrique Cazes
(Editora 34, 5ª edição, 2021)
Sobre a obra de Callado, vale dizer que, entrando no acervo da Casa do Choro
(acervo.casadochoro.com.br) é possível ter acesso a 75 partituras de suas músicas!
Talvez pelo grande êxito obtido em seu concerto na cidade de Campos em 1873, é que o
mais completo obituário de Callado tenha sido o publicado por um jornal da cidade de
Campos, RJ, em março de 1880 (10). Abaixo transcrevemos:
“Vítima de uma meningoencefalite perniciosa, o distinto artista nacional Joaquim
Antônio da Silva Callado. O finado era professor no Conservatório de Música e no
Imperial Liceu de Artes e Ofícios, cargos onde, por sua incontestável proficiência e
qualidades pessoais, soube angariar a amizade de seus colegas e o respeito e simpatia
de seus discípulos, tendo sido recentemente condecorado com o hábito da Rosa. Do
merecimento artístico do falecido professor nada diremos, porque bem recentes são as
impressões que deixou ao público fluminense, pelo qual tantas vezes e tão
entusiasticamente foi aplaudido.Contava apenas trinta e dois anos de idade e, se bem
que já ocupasse lugar distintíssimo entre os nossos primeiros músicos, muito havia
ainda a esperar de seu talento e dos seus estudos.Compôs diversas peças dançantes que
se tornaram muito populares e que, a par de outras composições de caráter mais sério,
hão de fazer lembrar sempre o seu nome.Tinha notáveis qualidades de concertista, que
o faziam sobressair sempre que se fazia ouvir no seu instrumento.Se bem nos
lembramos, o último concerto em que o infeliz professor se fez ouvir, foi em benefício
de Reichert, outro artista que também desapareceu há poucos dias de entre os vivos. O
professor Callado era geralmente estimado, e muito trabalhador. Deixa viúva e quatro
filhos em circunstancias bastante precárias.”
É lamentável que um músico e compositor dessa envergadura tenha um final de vida, e
de uma vida tão curta, assim tão melancólico! Viúva e quatro filhos em circunstancias
bastante precárias…
Referências:
(1) Diniz, André-Joaquim Callado, O Pai do Choro- Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 2008.
(2) Verzoni, Marcelo- Joaquim Callado, trajetória historiográfica do pai do choro carioca- Escola de
Música da UFRJ, Revista Brasileira de Música, vol. 30, nº 2, jul/dez 2016.
(3) Diário do Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1851.
(4) Correio Mercantil, 4 de fevereiro de 1851.
(5) Diário do Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1852.
(6) Cazes, Henrique- O Choro Reinventa a Roda. São Paulo, Ed. Contracorrente, 2023.
(7) Correio Mercantil, 26 de dezembro de 1860.
(8) Diário do Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1864.
(9) Jornal do Commércio, 26 de setembro de 1873.
(10) Gazeta de Campos, 28 de dezembro de 1873.
(11) Monitor Campista, 23 de março de 1880.

Jorge Mello, acadêmico