“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO

SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA”

É inverno. Faz frio. Em volta de um fogo aceso num barril enferrujado, por onde saem algumas chamas pelo metal corroído, pessoas enroladas em cobertores imundos, um ou outro boné encardido, se aquecem. Uma garrafa pet, cheia de um líquido de cor suspeita, rola de mão em mão. Todos dão um gole. Bem ou mal, aquilo aquece. Estão calados, olhares vazios. Sonhos ali não existem. Em suas mentes existe apenas o presente do indicativo. Estão vivos, é o que basta.

Ele se aproxima, larga a bicicleta apoiada por perto. Precisa se aquecer.

De repente, o silêncio opressivo é quebrado. Rajadas, bombas de efeito moral, spray de pimenta. Alvoroço, correria, debandada. Ele pensa em correr também, mas não pode abandonar seu único bem, a bicicleta. Não dá tempo. Uma chuva de golpes e chutes, se abate sobre ele. Fica inerte no chão, entre risadas e gritos.

Cobertores e bonés, deixados para trás na fuga desordenada, são jogados no fogo. O frio é muito, a fogueira tem que ser alimentada. Gritos e hurras comemoram o sucesso da missão. Cachaça barata alimenta a alegria. As labaredas iluminam a pobre bicicleta esquecida no chão num momento, no momento seguinte, vem coroar a labareda. Fica lá. Derrete lentamente. Uma voz mais potente, poderosa, ressoa:

─ Vamos embora, Missão cumprida.

E o esquadrão da Força de Dedetizadores se afasta, para um descanso merecido.

Inez Cabral – Acadêmica Correspondente da Academia Caxambuense de Letras