O assassinato brutal do agricultor Zaqueu Balieiro, 45 anos, reacende a discussão dos conflitos agrários, que persistem na Região Norte de Minas. A morte do produtor rural foi o centro de audiência pública realizada na segunda-feira (9/12/24), em Gameleiras, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Líder dos acampamentos Tamburi, Terra Preta e Terra Verde, Zaqueu foi alvejado por seis tiros, numa estrada vicinal nos arredores do município, na noite de 29 de setembro deste ano. O corpo foi encontrado na manhã seguinte e o suspeito, João José de Oliveira, conhecido como Joãozinho de Olímpio, identificado e preso no mesmo dia.
Ambos concorriam a uma vaga como vereador em Gameleiras, mas a motivação política foi descartada por todos que participaram da audiência pública. A 1ª-vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha (PT) acredita que o momento foi escolhido para confundir a população, mas o motivo seria o conflito pela posse das terras. “A insegurança paira sobre o Norte de Minas”, lamentou.
A deputada Bella Gonçalves (Psol), autora, juntamente com a presidenta da comissão, Andréia de Jesus (PT), do requerimento de audiência pública, afirmou que há suspeitas de que milícias rurais atuem na região, a mando de fazendeiros e grileiros interessados em ocupar as terras dos acampamentos.
Segundo explicou o delegado responsável pelo caso, Eujecio Coutrim Lima Filho, o primeiro inquérito que apurou a responsabilidade do assassinato foi concluído no prazo de 25 dias, para evitar que o suspeito fosse solto. Em seguida, a polícia abriu novo inquérito, que corre sob sigilo, para apurar se houve algum mandante.
Os celulares da vítima e do assassino foram desbloqueados e estão sendo analisados por especialistas da corporação. “O suspeito foi indiciado e está à disposição da justiça”, disse.
Revolta, indignação e muita comoção marcam relatos
A audiência pública foi marcada por relatos muito emocionados de quem conheceu Zaqueu Balieiro e acompanhou sua luta por melhorias nos acampamentos e na própria cidade. Quase todos os depoimentos eram encerrados com o mote: “Zaqueu”, respondido pela plateia: “Presente”!
A reunião foi acompanhada por mais de 100 pessoas que lotaram o Plenário da Câmara dos Vereadores de Gameleiras e se espalhavam ainda na parte externa. A mãe, Clarisse; o pai, Joaquim; a esposa, Gildete; a filha, Gislene; e os irmãos, Dilma, Vilma e Jacó, choravam durante toda a reunião. Inconsoláveis, entre soluços e lágrimas, Clarisse e Gildete só conseguiam pronunciar que buscam justiça.
Também visivelmente emocionado, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terras (MST) no Norte de Minas, Samuel Costa, contou que as terras dos três acampamentos estavam abandonadas há mais de 30 anos e foram ocupadas pacificamente, em 2021. A partir de então, Zaqueu passou a ser ameaçado.
A deputada Bella Gonçalves lembrou que um inquérito chegou a ser aberto para apurar as ameaças, à época, mas foi arquivado sem solução.
As intimidações, de acordo com Samuel Costa, seriam feitas de diferentes formas, como filmagens, ligações telefônicas com recados ou às vezes interrompidas; presenças estranhas nas áreas etc. Na audiência, ele tomou conhecimento de três casas que foram invadidas e tiveram as portas danificadas. O cachorro de um dos acampados também teria sido assassinado com um tiro.
“Os latifundiários vêm os avanços sociais como ameaça aos privilégios deles”, reclamou. Samuel reivindicou que o assassinato seja totalmente esclarecido. Há suspeita de que Joãozinho de Olímpio era matador profissional e prestava serviço para fazendeiros.
A deputada Leninha também recebeu as mesmas denúncias e afirmou que a morte do líder dos produtores não é um fato isolado. Ela disse que já está em contato com a promotoria, com os órgãos de segurança e com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para elucidação da morte e aceleração do processo de regularização das áreas: “É inadmissível que uma pessoa seja silenciada”.
A deputada Bella Gonçalves elogiou os familiares da vítima, ao exaltar que, mesmo num processo tão doloroso de luto, eles continuam a luta deixada pelo líder dos sem-terra. “A opção de Zaqueu foi salvar a vida de muitas pessoas”, ressaltou.
A parlamentar também tem acompanhado o caso de perto. Ela sugeriu que, para reduzir a violência no campo, sejam criados distritos regionais do programa estadual de proteção aos defensores de direitos humanos.
Bella Gonçalves ainda disponibilizou o contato da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia para receber denúncias, inclusive anônimas, sobre novas ameaças. “Não ameacem as comunidades porque nós vamos atrás”, disse ela, como recado aos intimidadores
Outros casos são denunciados
Durante a audiência pública, outros casos de ameaças a comunidades foram relatados. Adair Pereira de Almeida, o Nenzão, é geraizeiro (que mora em comunidade tradicional do cerrado) do Vale das Cancelas, no município de Grão Mogol (Norte), e um dos incluídos no programa de proteção. Ele conta que a comunidade vive no local há mais de sete décadas, mas está sob clima de medo de ameaças, convivendo com incêndios suspeitos, pessoas armadas rondando nas proximidades, entre outras formas de intimidação. “Viemos pedir segurança e o apoio das Polícias Militar e Civil. A violência vem do outro lado e não do nosso”, afirmou.
Marinalva Mendes da Rocha é integrante da comunidade quilombola de Cabaceiras, localizada em Itacarambi. Embora a área já seja reconhecida pela Lei 21.147, de 2014, que estabelece a política estadual para os povos tradicionais, com o direito de explorar a pesca e culturas locais, os moradores são acuados e impedidos de construir, uma vez que não houve a regularização fundiária definitiva.
O tenente-coronel Lauro do Rosário Leal Alves, comandante do 51º Batalhão de Polícia Militar de Janaúba, afirmou que a corporação está aberta para atender e orientar a comunidade sobre qualquer tipo de ameaça.
O policial disse que a relação com a cidade é de harmonia e que os índices de violência em Gameleiras vêm reduzindo. Segundo ele o município não registrava homicídios nos últimos sete anos.
Fonte: ALMG
Foto: Daniel Protzner