sábado, 23 de novembro de 2024
“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO
SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA.”

Em outubro de 2023, foi registrado um aumento da mortalidade das populações de leões marinhos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Um grupo de cientistas, com participação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), identificou que a causa das mortes foi o vírus da gripe aviária H5N1 e relatou a descoberta em artigo na revista científica BMC Veterinary Research, da Springer Nature.

O estudo sugere que o H5N1, da mesma espécie do vírus da gripe, está aumentando a capacidade de se replicar em mamíferos, inclusive em seres humanos, o que reforça a necessidade de monitoramento permanente para manter as vacinas atualizadas e evitar pandemias.

“Nossa pesquisa visa caracterizar o vírus da influenza aviária, identificado pela primeira vez em aves silvestres no Brasil em maio de 2023 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”, diz a professora Helena Lage Ferreira, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga, que coordenou o estudo. “O vírus, que emergiu no Sudeste asiático em 1996, tem sido responsável desde 2020 em todo mundo por uma epizootia, ou seja, quando doenças que ocorrem em populações de animais disseminam-se com rapidez e há um aumento no número de casos”, afirma a professora, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).

Em 2023, a mortalidade e encalhe dos animais na costa de SC aumentou mais de 1600% em relação ao período anterior (2015-2022), de acordo com dados disponíveis na plataforma Sistema de Informação de Monitoramento da Biota Aquática (Simba) e analisados pelos pesquisadores dos Programas de Monitoramento de Praias de Santa Catarina, colaboradores da pesquisa. “O artigo visou a caracterização dos vírus de influenza aviária em leões marinhos da América do Sul (Otaria flavescens) em Santa Catarina, região Sul do Brasil”, afirma Helena Lage Ferreira.

“O vírus da influenza aviária pertence à mesma espécie do vírus da influenza sazonal que acomete as pessoas, por isso, este vírus é capaz de infectar aves e mamíferos, incluindo os seres humanos”, ressalta a professora da FZEA. “O monitoramento genômico e a caracterização dos vírus são importantes para a preparação de uma possível pandemia”.

O estudo demonstrou que a mortalidade dos leões marinhos foi causada pelo vírus da influenza aviária de alta patogenicidade, H5N1. “Além desta identificação, fizemos a caracterização molecular do vírus e identificamos que as sequências se agruparam com as de outros animais silvestres da América do Sul, especialmente de leões marinhos do Chile e Peru, sugerindo uma transmissão do vírus entre estes animais”, afirma Helena Lage Ferreira. “Em junho de 2023, nosso grupo identificou e caracterizou também o vírus em aves silvestres, trinta-réis real (Thalasseus maximus) e trinta-réis-de-bando (Thalasseus aciduflavus), no Estado do Espírito Santo”. A descoberta é relatada em artigo da publicação científica Emerging Infectious Diseases.

Mutações

“Além disso, identificamos algumas mutações que são importantes para adaptação dos vírus de aves para os mamíferos em diferentes genes que codificam suas proteínas”, destaca a professora. “Nossos dados sugerem que o vírus está evoluindo e apresentando maior capacidade de se replicar em mamíferos, por isso, devemos continuar com o monitoramento genômico dos vírus em animais”.

De acordo com Helena Lage Ferreira, as mudanças genéticas dos vírus da influenza precisam ser monitoradas constantemente para que as vacinas que fazem o controle do vírus estejam sempre atualizadas. “Nós compartilhamos as sequências obtidas no estudo com a rede OFFLU, organizada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), responsável por analisar os vírus circulantes nos diferentes países e propor os antígenos para desenvolver o melhor protótipo das vacinas pré-pandemicas”, afirma.

“Com esta análise incorporando mais dados obtidos pela iniciativa internacional, as nossas sequências de leões marinhos se agruparam com outras obtidas no Peru, Chile, Argentina e Ilhas Falkland, além de aves da América do Norte”, relata a professora. “Desta forma, aumentamos a representatividade das sequências do Hemisfério Sul e os dados foram informados aos pesquisadores do Instituto Butantan, que é o centro de referência da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a produção de sementes de vacinas pré-pandêmicas de influenza”.

“Agora estamos trabalhando em parceria com outros pesquisadores para caracterizar o vírus biologicamente, uma vez que isso exige laboratórios de biocontenção nível 3 para sua manipulação com segurança”, aponta. A professora Helena Lage Ferreira é coordenadora da Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres, junto com o professor Edison Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e a professora Clarice Arns, da Unicamp.

A iniciativa é financiada pela RedeVírus do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), estabelecida durante a pandemia de covid-19, que tem como objetivo identificar vírus emergentes de forma a conseguir uma melhor preparação para pandemias. A professora da FZEA também é a pesquisadora responsável de um projeto de cooperação em pesquisa com o grupo do professor Dong-Hun Lee, da Universidade Konkuk, na Coreia do Sul, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para o desenvolvimento de tecnologia de identificação e caracterização do vírus da influenza aviária.

Fonte: Jornal da USP

Foto: Divulgação / SeaWorld San Diego

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