Na sessão Plenária do dia 4 de setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) apreciou tomada de contas especial instaurada em razão de superfaturamento nas obras de construção das tubovias da Refinaria Abreu Lima (Rnest), no Estado de Pernambuco.
Um dos pontos de discussão referiu-se à possibilidade de aplicação do art. 944 do Código Civil (CC) no âmbito do TCU, especialmente quando da imputação de débitos em vultosos valores para pessoas físicas solidariamente com grandes corporações.
A principal questão levantada foi a desproporção entre a gravidade da culpa do agente e o montante do dano causado, de modo a justificar a redução equitativa do débito com base no parágrafo único do art. 944, segundo o qual, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
O relator da matéria, ministro Benjamin Zymler, defendeu ser o dispositivo aplicável no âmbito do processo do TCU para casos excepcionais em que se verifique desproporcionalidade entre culpa e dano, mesmo em situações de responsabilidade solidária, onde vários devedores são responsáveis pelo mesmo dano.
Para o relator, a aplicação do princípio da equidade do art. 944 do CC busca evitar injustiças, adequando a responsabilidade ao grau de culpa de cada agente, e pode ser usado para balancear a responsabilidade, sem prejudicar a integral reparação ao erário.
Assinalou não ter identificado qualquer restrição para aplicação da referida regra a situações em que houver potencial solidariedade entre os responsáveis em concurso pelo dano. Pontuou que a lei não estabeleceu tal exceção e não cabe ao intérprete fazê-lo, sob pena de se violar princípio básico do direito que é a busca da justiça.
O ministro Benjamin Zymler ressaltou também que as contratadas foram quem se beneficiaram diretamente com o débito imputado, sendo por elas embolsada a quantia paga indevidamente pela administração pública.
Ou seja, as empresas contratadas se beneficiaram da quase totalidade, senão da totalidade, do débito apurado. É esperado, portanto, por uma questão de justiça e equidade, que respondam por ele com maior intensidade do que a dos demais responsáveis.
Dessa forma, o relator propôs reduzir o débito imputado ao presidente da Petrobras à época dos fatos, de modo que o dano a ele atribuído tenha por base a relação entre o benefício indevido obtido pelas empreiteiras na contratação e a renda de sua pessoa física.
A respeito, salientou que esse responsável não agira com dolo e tampouco teria recebido propina para que as fraudes ocorressem. Asseverou que, diferentemente da responsabilidade sancionatória, havendo uma evidente desproporção entre o dano e a culpa, o grau desta não serviria para parametrizar a dosimetria do débito. O parâmetro a ser utilizado seria capacidade financeira do responsável frente ao dano causado.
Adicionalmente, como estímulo à colaboração premiada, propôs diferenciar a responsabilização dos colaboradores e não colaboradores, reduzindo, assim, o débito solidário imputado aos agentes que colaboraram apenas à respectiva quota-parte, assegurando-se, todavia, que esse valor seja superior ao auferido com o ilícito.
Após ampla discussão, o Plenário deliberou, por maioria, no sentido de adotar a proposta do relator, na forma das condenações e sanções especificadas no acórdão, sem prejuízo de determinar à Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex) o acompanhamento da aplicação do parágrafo único do art. 944 do CC nos acórdãos do Tribunal, a fim de, com base na jurisprudência então formada, propor critérios objetivos para se fazer a correlação entre culpa e ressarcimento nas propostas das unidades instrutivas do TCU.
Para mais informações, a coluna recomenda a leitura do Voto condutor do Acórdão 1835/2024 – Plenário, das Declarações de voto dos ministros Walton Alencar Rodrigues, Jorge Oliveira e Jhonatan de Jesus, bem como do pronunciamento do Ministério Público junto ao TCU.
Fonte e foto: TCU