sábado, 23 de novembro de 2024
“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO
SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA.”

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) realizou nessa sexta-feira (23), na Procuradoria-Geral de Justiça, o Seminário “Um ano da Casa Lilian e reflexões no Dia Estadual de Combate ao Feminicídio”. Organizado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAOVD) e pela Casa Lilian, com apoio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MPMG, o evento promoveu discussões sobre a proteção dos direitos das vítimas e, em especial, das mulheres em situação de violência.

Na oportunidade, também foi lançada a 1ª edição da revista do MPMG ‘Direito das Vítimas’ e inaugurada, no Pilotis da PGJ, a exposição “Cenários: o feminicídio entre nós”. A mostra é formada por totens informativos, com estatísticas sobre o cenário em que a violência doméstica ocorre no estado.

Na abertura do seminário, a coordenadora da Casa Lilian, promotora de Justiça do Ana Tereza Giacomini, destacou que o Centro de Apoio Estadual às Vítimas é um projeto coletivo, que depende da integração de todos os promotores de Justiça e de toda a rede de proteção às vítimas. “Com este seminário, pretendemos reforçar a necessidade de, para além da responsabilização dos autores dos crimes, atuarmos no acolhimento, na proteção, na informação e na participação das vítimas no processo penal”, pontuou.

A promotora lembrou que o Centro de Apoio Estadual às Vítimas leva o nome da servidora do MPMG Lilian Hermógenes da Silva, assassinada pelo ex-marido há exatos oito anos. Lilian atuava na Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica de Belo Horizonte, tinha 44 anos e deixou dois filhos.

Conforme Ana Tereza, a Casa Lilian tem por objetivo atender a vítima de forma integral. “No momento do atendimento, o que se propõe é um diagnóstico global das necessidades das vítimas nos mais diversos campos e a construção, com elas, de um plano de atenção, preservando sua autonomia”, explicou.

A coordenadora do CAOVD, promotora de Justiça Patrícia Habkouk, também mencionou a lembrança dolorosa do assassinato de Lilian em 2016 e ressaltou a necessidade de chamar a atenção para os feminicídios e de apresentar as respostas que o MP tem dado para o problema. “O recado que queremos passar para a sociedade é que nós não estamos tolerando a violência contra as mulheres. Nós trabalhamos muito para que a Lei Maria da Penha seja uma realidade, mas quando ela não é, estamos reprimindo e punindo os autores. A responsabilização dos autores é parte importante do processo de mudança dessa realidade”, defendeu.

Segundo o procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, a realidade enfrentada pelas mulheres hoje no país é inconcebível e exige o trabalho integrado das instituições para que seja transformada. “Esse evento representa o renascimento da esperança de fortalecimento das instituições para o combate ao problema. O MP reafirma seu compromisso de enfrentamento diário à violência”, frisou.

Ministério Público e os direitos das vítimas

A primeira palestra do seminário foi ministrada pelo promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Antônio Henrique Graciano Suxberger e teve como tema ‘Ministério Público e os direitos das vítimas’. A promotora de Justiça Ana Tereza Giacomini atuou como presidente e o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais, de Execução Penal, do Tribunal do Júri e da Auditoria Militar (Caocrim), promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, participou como debatedor.

Suxberger ressaltou que a atuação na defesa dos direitos da vítima representa “o abraçar de uma dificuldade urgente e ao mesmo tempo atrasada”. Na visão dele, os temas envolvendo as vítimas assumem importância ainda maior em um país como o Brasil, fortemente marcado pela desigualdade social. “Apesar de essa ser uma temática antiga no sistema de justiça criminal brasileiro, a vítima nunca foi objetivo de preocupação dos profissionais do direito. Porém, o MP é, por vocação, uma instituição formada por pessoas comprometidas com a ideia de avanço, e esse debate é vital para sua reinvenção constante”, avaliou.

Marcos Paulo lembrou que a atenção às vítimas está estabelecida desde o surgimento do MP como uma obrigação institucional. “A análise da história do MP, ao longo de sua evolução humanitária, revela que temos, desde a origem, a vinculação com a defesa dos direitos das vítimas”, afirmou.

Cenário dos feminicídios em Minas Gerais

No início da tarde, a coordenadora do CAOVD, Patrícia Habkouk, apresentou a pesquisa “Cenário de Feminicídios em MG: um estudo sobre as mortes violentas de mulheres entre os anos de 2021 e 2023”. Entre os dados revelados, estão a existência de processos judiciais em 72% dos feminicídios consumados registrados no estado neste período e a prisão de 44% dos autores em flagrante delito.

Realizado pelo CAOVD a partir da análise 497 casos consumados de feminicídios, o estudo informa, ainda, que 94% dos assassinatos de mulheres levados a júri resultaram na condenação dos acusados.

As regiões com maior número de vítimas, neste período, segundo o levantamento, foram as dos municípios de Ipatinga, Belo Horizonte, Contagem, Montes Claros e Teófilo Otoni.

Em relação às mulheres vítimas de feminicídio, o estudo aponta que em apenas 12% dos casos elas tinham medida protetiva de urgência. Quanta à raça, 71% eram negras. E no que diz respeito à idade, a maior parte das vítimas, 47%, tinha entre 18 e 35 anos; 41% tinham entre 36 e 59 anos; 6% tinham mais de 60 anos; e 6% tinham até 17 anos.

Já em relação aos autores, foi observado que em 82% dos casos, eles eram cônjuges, companheiros, namorados ou ex-namorados da vítima. Nos casos que ocorreram no âmbito de relações de conjugalidade ou namoro, 99,5% eram homens e 0,5% mulheres.  Dos feminicídios consumados registrados, 15% foram seguidos do suicídio do autor.

Quanto à idade dos autores, o estudo aponta que 50% têm entre 36 e 59 anos; 43% têm entre 18 e 35 anos; 6% têm mais de 60 anos; e 1% até 17 anos.

Também conforme a pesquisa, em 49% dos casos, os criminosos usaram objeto perfurocortante, como facas, facões e foices, e, em 23%, arma de fogo.

Sobre as penas fixadas, foi verificado que, em média, na primeira instância, os acusados são condenados a 22 anos e 9 meses de reclusão, enquanto, na segunda instância, a média é de 21 anos e 9 meses.

Lutos e Lutas 

Após a apresentação da pesquisa, a promotora de Justiça Ana Tereza Giacomini e a assessora de Psicologia Juliana Marques Resende falaram sobre o projeto piloto “Lutos e Lutas”, da Casa Lilian, destacando os impactos e desafios do atendimento a vítimas indiretas do feminicídio.

Conforme Ana Tereza, o projeto foi desenvolvido com a ideia de se aprofundar no estudo dos casos dessas vítimas, de modo a compreender as necessidades delas e de mapear como a rede pública tem conferido atenção aos casos. “A tentativa é de que consigamos estimular toda a rede, para que haja uma atuação centrada também nas vítimas indiretas dos delitos. Dessa forma, buscamos desnaturalizar violências e atuar no combate aos efeitos do feminicídio em toda a sua dimensão”, observou.

A programação do evento contou, ainda, com a palestra ‘O crime de feminicídio e a importância do desenvolvimento de uma política criminal de índole preventiva’, ministrada pela promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Fabiola Moran. A ouvidora do MPMG Nádia Estela Ferreira Mateus presidiu a mesa, e a desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Maria das Graças Rocha Santos atuou como debatedora.

Já o painel ‘A outra voz: danos silenciados do feminicídio’ trouxe falas de vítimas indiretas do assassinato de mulheres e foi presidido pela promotora de Justiça Ana Tereza Giacomini. Participaram como painelistas Cristiana Vilas Boas, filha de Ângela Diniz; Daniele da Cruz Ferreira, mãe de Beatriz; e Keila Souto; mãe de Ana Luiza.

O último painel do evento teve como palestrante a vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas, Alice Bianchini. Ela abordou o tema ‘Uma perspectiva de gênero e a adoção de novos métodos jurídicos para adequada atenção à mulher vítima de violência’. A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Promoção dos Direitos dos Idosos e das Pessoas com Deficiência, promotora de Justiça Vania Samira Doro Pereira Pinto, presidiu a mesa. Como debatedoras, atuaram a promotora de Justiça Patrícia Habkouk e a psicóloga e assessora da Casa Lilian Cláudia Natividade.

Fonte: MPMG

Fotos: Eric Bezerra e Camila Soares / MPMG

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