No dia 29 de janeiro, celebrado como o Dia Nacional da Visibilidade Trans, a história de Bruna Valeska se torna um reflexo das dificuldades enfrentadas por muitas pessoas trans ao tentar garantir uma vaga no mercado de trabalho formal. Há um ano e dois meses, Bruna foi demitida de uma loja de perfumaria e cosméticos, após ser contratada sob a promessa de um bom salário e de uma bolsa de estudos para concluir sua faculdade em Química. “Fui convidada para trabalhar nessa empresa com a promessa de um salário alto e bolsa de estudos para terminar a faculdade. E em apenas quatro meses me mandaram embora”, conta Bruna.
O que parecia ser uma oportunidade promissora, logo se revelou como uma prática comum de algumas empresas: contratar pessoas transexuais temporariamente, como parte de uma estratégia para garantir o selo de “empresa inclusiva”. No entanto, esse tipo de contratação não garante oportunidades reais de permanência ou crescimento, e Bruna se viu novamente sem recursos para seguir sua carreira. “Eles contratam pessoas transexuais para trabalhar temporariamente e garantir o selo de empresa inclusiva”, afirma, destacando uma realidade que muitas pessoas trans enfrentam em diversas corporações.
Bruna enfrentou discriminação em várias dimensões de sua vida, sendo rejeitada e expulsa de casa pela família, abandonando uma universidade pública devido à falta de acolhimento e chegando a morar na rua por um tempo, sem ter condições de se sustentar. Apesar de todos esses desafios, ela não desistiu de buscar qualificação profissional, e após participar de um projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro, conseguiu seu primeiro emprego formal como auxiliar de cozinha. De lá para cá, Bruna conquistou outros postos de trabalho e acumula cinco anos de experiência registrada em sua carteira de trabalho.
Contudo, a dificuldade em conseguir uma inserção plena e igualitária no mercado de trabalho persiste. Bruna revela que, mesmo em empresas que se dizem inclusivas, o tratamento dado às pessoas trans é desigual, com critérios rigorosos em relação à aparência, formação e indicações, enquanto outros funcionários desempenham as mesmas funções com exigências menores. “Não temos as mesmas oportunidades de crescimento das demais pessoas”, diz Bruna, criticando a disparidade salarial e a falta de reconhecimento profissional. Ela defende que não basta criar vagas específicas para pessoas trans, se as condições de trabalho, oportunidades de promoção e salários não são igualmente justos.
Atualmente, Bruna busca gerar alguma renda por meio da internet e estuda na área de estética e beleza, na esperança de que, algum dia, uma oportunidade de trabalho formal valorize seus conhecimentos e experiências. Ela ressalta a importância de proporcionar oportunidades para pessoas trans, especialmente aquelas que, como ela, passaram dos 35 anos e merecem uma chance justa no mercado de trabalho. “Eu tenho sonho de voltar ao mercado de trabalho. Eu fiquei muito magoada porque abri mão de muitas coisas para estar na última empresa. Muitas pessoas como eu passam por essas contratações temporárias. Você abre mão de toda uma vida, para depois ficar sem nada”, lamenta.
Iniciativas de inclusão
Uma das iniciativas que busca romper barreiras e ajudar pessoas trans a acessarem o mercado de trabalho é a Roda de Empregabilidade, promovida pelo Instituto Rede Incluir. O evento, que ocorre em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, oferece mais de 100 vagas em diferentes setores, como auxiliar de comércio, serviços gerais, vendedor, caixa, eletricista e mecânico de refrigeração. Além das vagas, a iniciativa também oferece orientação profissional e preparação para entrevistas, com o objetivo de garantir a inclusão real e o respeito à diversidade nas empresas.
Nélio Georgini, coordenador de Diversidade e Inclusão do Instituto Rede Incluir, destaca que a iniciativa é um passo importante, mas reconhece que as pessoas trans precisam de mais do que vagas: elas precisam de reconhecimento profissional, dignidade e condições de crescimento no mercado de trabalho. “O mundo é muito binário, costuma pensar apenas em questões como preto ou branco, homem ou mulher. E tudo que foge ao binarismo, a sociedade tende a refutar”, comenta Nélio, reforçando a resistência histórica que o mercado de trabalho tem em relação às pessoas trans.
Segundo Nélio, o momento é delicado, com o retrocesso de algumas corporações que estão revendo e até eliminando políticas de diversidade e inclusão após a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Contudo, ele espera que empresários brasileiros se posicionem de forma contrária, reconhecendo o valor dos profissionais transexuais e criando um ambiente inclusivo e respeitoso. “As empresas precisam se posicionar sobre a nossa pauta. Porque é fácil fazer isso quando existe um apelo popular e isso melhora a imagem da corporação. Mas, nas dificuldades, é que precisamos que as empresas façam parte dessa resistência também, para trazer dignidade às pessoas trans”, finaliza o coordenador.
Com as informações da Agência Brasil
Foto: Arquivo / MDHC