Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, para que o Município de Uberlândia e o Estado de Minas Gerais adotem medidas para garantir que os pacientes com cálculo renal (pedras no rim) voltem a ter acesso ao tratamento de Litotripsia Extracorpórea por Ondas de Choque (LEOC) no próprio município, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em no máximo dez dias.
Segundo a ação, o tratamento – que consiste na fragmentação de ‘pedras’ urinárias por meio da energia gerada pelo aparelho da litotripsia, que posteriormente serão eliminadas pelo organismo durante a micção – deixou de ser realizado em Uberlândia em dezembro de 2021, quando a empresa Centro de Tratamento de Cálculo Renal, um centro avançado de urologia, não teve interesse em renovar o contrato de prestação do serviço com o Município em razão dos valores pagos por procedimento, que seguiam os valores estabelecidos pela tabela do SUS. A empresa fez um pleito de complementação dos valores, mas o pedido não foi aceito pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Segundo apurado pelo MPF, o Município optou por não complementar esse valor e levou o problema para a Comissão Intergestores Bipartite de Minas Gerais e, conforme decidido em dezembro 2022, Uberlândia deixou de ser referência no procedimento para a macrorregião, uma vez que a remuneração permaneceria no valor da tabela SUS. Assim, o procedimento de litotripsia extracorpórea passaria a ser ofertado apenas por meio da adesão à ata de registro de preços aberta pelo Estado de Minas Gerais para todos os municípios da macrorregião, sendo que o Município de Araguari foi o único que se credenciou.
Fila – Segundo informado pela Secretaria Municipal de Saúde, atualmente todos os pacientes que aguardam algum procedimento cirúrgico urológico eletivo, exceto os oncológicos que são tratados em outra lista específica, são colocados na mesma fila única. Esses pacientes são classificados pelo médico assistente (vermelho/amarelo/verde/azul) e posicionados na fila de forma cronológica, de acordo com a data de inserção.
Em outubro de 2023, a fila de pacientes aguardando procedimentos urológicos já ultrapassava 2 mil pacientes. Ou seja, considerando a oferta média mensal de 60 vagas “pré-operatórias” na especialidade de urologia e que 2.206 pacientes aguardam na fila, muitos deles terão que esperar aproximadamente três anos pelo atendimento, isso sem considerar que diversos outros pacientes graves entrarão na fila até lá e poderão ter seus atendimentos priorizados.
Outro ponto que merece destaque, porque contribui decisivamente para o aumento da fila urológica, é a pouca oferta de vagas para especialidade. Atualmente são ofertadas, em média, 40 vagas de pré-operatório urológico por mês no Hospital Municipal Odelmo Leão Carneiro, e, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), são ofertadas, em média, 20 vagas para consulta com especialista urológico. Outro fato que contribui para o aumento da fila é que o aparelho usado pelo HC-UFU, para realizar os procedimentos urológicos, apresenta, com frequência, defeitos que inviabilizam completamente o seu uso.
O procurador da República Cleber Eustáquio Neves, autor da ação, explica que, dessa forma, os pacientes com diagnóstico de cálculo renal concorrem às mesmas vagas que os demais pacientes com outros diagnósticos. “Parece óbvio, portanto, que os pacientes com litíase urinária, que poderiam ser tratados com maior brevidade e eficiência se submetidos à litotripsia extracorpórea, acabam esperando por tempo demasiado, pois seus nomes são inseridos em um ‘listão’ de pacientes com diagnósticos urológicos generalizados”, afirmou.
Contradição – Segundo informado pela Diretoria de Controle, Regulação e Avaliação do Município de Uberlândia, a demanda para esse procedimento seria pequena e o tratamento seria considerado um procedimento obsoleto pelos especialistas; por este motivo, o Município não aderiu à ata do Estado. Assim os pacientes que eventualmente necessitassem do procedimento deveriam ser encaminhados para o Município de Araguari, via Tratamento Fora de Domicílio (TFD).
Para o MPF, a afirmação é contraditória, pois, enquanto durou a parceria com a empresa pra a realização do procedimento de Litotripsia Extracorpórea, eram realizados 60 procedimentos por mês e, quando terminou o contrato, a fila de pacientes para realização de litotripsia só aumentou. “Ora, como poderia ser aceita a alegação de que a litotripsia extracorpórea seria um procedimento obsoleto de uma hora para outra se se realizava 60 procedimentos mensais? A Prefeitura relegou esses pacientes a própria sorte, porquanto não contratou outra forma de sua realização”, sustenta o procurador.
Além disso, a ação destaca que, apesar de o Município de Uberlândia justificar a descontinuidade do procedimento, o Hospital Sírio Libanês, que figura entre os melhores hospitais da América Latina, e outros centros urológicos ainda indicam que “cálculos de ureter proximal menores de dez milímetros devem ser tratados preferencialmente pela litotripsia extracorpórea com até 90% de bons resultados, já aqueles maiores que dez milímetros são melhor tratados pela ureteroscopia, sendo a litotripsia extracorpórea o método de segunda escolha com 41% de bons resultados”.
Pedidos
O MPF pede, em caráter urgente, que o Centro de Tratamento de Cálculo Renal seja obrigado a adotar todas as providências cabíveis para, em dez dias, receber e tratar pacientes com litíase urinária, mediante a realização do procedimento de litotripsia extracorpórea, devendo realizar ao menos 60 procedimentos mensais, mediante justa indenização, observado o valor máximo disponibilizado por convênios médicos, a exemplo de valores pagos pela Unimed e outros convênios.
Já o Município de Uberlândia deve adotar as providências cabíveis, no mesmo prazo, para promover o encaminhamento de ao menos 60 pacientes, mensalmente, com litíase urinária, ao Centro de Tratamento de Cálculo Renal, adotando as medidas necessárias para a retomada do quanto contratado anteriormente.
Já o Estado de Minas Gerais e o Município de Uberlândia devem, em até 90 dias, contratar e credenciar outros estabelecimentos de saúde para procedimento de litotripsia extracorpórea em pacientes vinculados ao SUS. Já a União e o Estado de Minas Gerais devem fornecer valores necessários para que o procedimento seja realizado no município.
Por fim, o MPF também pede que a União, o Estado e o Município sejam condenados por danos morais causados à coletividade no valor de R$ 10 milhões, em razão da omissão por ter impossibilitado o tratamento e a cura de milhares de pacientes urológicos em Uberlândia e região, o que evidencia prejuízo aos serviços e à imagem do Sistema Único de Saúde.
Fonte: MPF
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