O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica faleceu na terça-feira (13), aos 89 anos. A informação foi confirmada pelo atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi. A causa da morte ainda não foi divulgada oficialmente.
Em abril de 2024, Mujica havia revelado publicamente o diagnóstico de um tumor no esôfago, identificado durante exames de rotina. O ex-presidente já convivia com uma doença autoimune que comprometia seus rins e agravava o quadro clínico.
Nos meses seguintes, o estado de saúde de Mujica se deteriorou. Em entrevista ao jornal argentino Tiempo, concedida no último domingo (11), Orsi — afilhado político de Mujica — mencionou que o ex-presidente atravessava “um momento crítico” e vinha sendo protegido de situações que poderiam agravar seu estado. Segundo ele, algumas atividades recentes haviam afetado a saúde do ex-presidente.
Em maio, sua esposa, a ex-senadora Lucía Topolansky, confirmou que Mujica recebia cuidados paliativos em casa e que se encontrava em fase terminal, o que justificou sua ausência nas eleições regionais do país.
Luta contra o câncer
Após iniciar tratamento com radioterapia, Mujica precisou se submeter a uma cirurgia. Em setembro de 2024, foi hospitalizado quatro vezes em menos de duas semanas devido a complicações digestivas causadas pelo tratamento. Também foi realizada uma gastrostomia para permitir a adequada alimentação.
Apesar do agravamento da doença, Mujica mantinha uma postura serena diante da morte. “É preciso morrer. Pertencemos ao mundo dos vivos, nascemos destinados a morrer. Por isso a vida é uma aventura maravilhosa”, declarou, demonstrando sua habitual filosofia de vida. “Mais de uma vez na minha vida a morte rondou a cama, desta vez parece que vem com a foice em punho. Vamos ver o que acontece.”
Figura carismática e crítica
Mesmo diante do fim, Mujica seguiu incentivando a juventude e manteve sua coerência com os princípios que o tornaram uma das personalidades mais admiradas da América Latina. “A vida é linda, mas se desgasta. A questão é recomeçar a cada vez que cair e, se houver raiva, transformá-la em esperança”, afirmou ao comentar o diagnóstico.
Pepe também deixou uma mensagem de respeito ao contraditório. “É fácil respeitar aqueles que pensam parecido com você, mas você precisa aprender que o fundamento da democracia é o respeito aos que pensam diferente.” Em tom de autocrítica, afirmou em entrevista ao jornal Búsqueda: “Me arrependo de tanta coisa. Eu fui presidente, e neste país tem gente que passa fome.”
Origens humildes e trajetória política
Nascido em Montevidéu, em 20 de maio de 1935, José Alberto Mujica Cordano era filho de pequenos agricultores. Após a morte do pai, trabalhou com a mãe como florista. Sua trajetória política começou no Partido Nacional, ao qual sua família era ligada, mas logo rompeu com a legenda e participou da fundação da União Popular com o Partido Socialista do Uruguai.
Ainda nos anos 60, entrou para o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, um grupo guerrilheiro de esquerda. Ferido com seis tiros em 1972, foi preso antes do início da ditadura militar uruguaia. Passou mais de uma década na prisão, período em que, segundo ele, aprendeu “a não se deixar dominar pelo ódio”.
Fugiu da prisão duas vezes, uma delas por um túnel escavado com um companheiro. Foi libertado com a anistia de 1985, que beneficiou presos políticos. Após a redemocratização, fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), que se tornaria a principal força da coalizão Frente Ampla.
Foi eleito deputado em 1994 e senador em 1999. De 2005 a 2008, atuou como ministro da Agricultura no governo de Tabaré Vázquez.
Presidência e legado
Pepe Mujica governou o Uruguai de 2010 a 2015, período marcado por reformas progressistas. Em sua gestão, o país avançou em áreas como educação, direitos sociais e políticas de inclusão.
Durante seu mandato, o Uruguai legalizou o aborto até a 12ª semana de gestação, aprovou a regulamentação da maconha e sancionou o casamento igualitário. As medidas consolidaram sua imagem como um dos principais líderes da esquerda na América Latina.
Sua simplicidade de vida contrastava com o cargo que ocupava. Morava com a esposa em uma chácara na zona rural de Montevidéu, cultivava flores e hortaliças, usava um Fusca e doava a maior parte de seu salário presidencial a projetos sociais. A postura lhe rendeu o apelido de “presidente mais pobre do mundo”.
Últimos anos e despedida da política
Após deixar a presidência, Mujica foi eleito senador novamente em 2015 e 2019. Em 2020, anunciou sua aposentadoria definitiva da vida pública, alegando problemas de saúde.
Mesmo fora da política ativa, permaneceu como uma voz influente na América do Sul. Em 2022, participou do último ato de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Paulo. “É muito importante para a esperança [da América do Sul], mostrará que somos capazes de retornar”, disse à época.
Lula, por sua vez, destacou a amizade entre os dois: “Estou muito feliz de estar aqui com o nosso companheiro Pepe Mujica, um companheiro muito especial.”
Por Graziela Matoso/ Com informações do UOL