domingo, 24 de novembro de 2024
“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO
SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA.”

TJMG acolheu argumentos do MPMG em Ação Civil Pública. Peça sacra do século XVIII estava sob guarda do Iepha há 20 anos e era objeto de devoção em capela demolida nos anos 1950

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou a devolução de uma imagem de Santana Mestra, avó de Jesus, à paróquia de Santa Luzia. A peça sacra de mais de 200 anos havia sido identificada num leilão por fiéis da cidade mineira em 2003. Ela seria vendida em conjunto com outras esculturas e oratórios. Desde então, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou Ação Civil Pública que resultou na custódia da imagem pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Alegando que o templo original onde a peça estava exposta tinha sido demolido, a Justiça havia negado a devolução à paróquia. A decisão pela volta da imagem foi proferida nesta quinta-feira, 4 de julho, após o MPMG interpor recurso de apelação.

O acórdão publicado esta semana (clique para ler na íntegra) reconheceu que a peça é de culto coletivo, o que implica a devolução ao local de origem. “Demolido um templo, a paróquia vivenciará sua fé em novo templo erguido no mesmo lugar ou em outro(s), em locais diversos. Seria uma inversão de valores reconhecer apenas a ligação da imagem com o ‘edifício’ e não à comunidade paroquiana que dá sentido e significado a ele”, afirmou a decisão. Com isso, encerra-se a espera de 20 anos pela devolução da imagem.

“A comunidade de Santa Luzia está em festa, pois, após 20 anos de espera, a imagem da Santana Mestra poderá retornar à fruição coletiva, permitindo o resgate de memórias e o retorno das celebrações associadas ao bem cultural. A escultura do século XVIII, esculpida em madeira policromada, possui atributos históricos, artísticos e religiosos, que a tornam singular e, portanto, integrante do patrimônio cultural de Minas Gerais”, afirmou o promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, Marcelo Azevedo Maffra.

De acordo com Maffra, a solução deste caso favorece as ações de restituição de peças sacras de Minas Gerais. “A decisão do Poder Judiciário fortalece ainda mais o trabalho do MPMG no resgate dos bens culturais desaparecidos e a devolução para os locais de onde nunca deveriam ter saído”, completou.

Entenda o caso

Em 2003, um conjunto de 10 peças sacras, incluindo a Santana Mestra da paróquia de Santa Luzia, estavam à venda em uma galeria do Rio de Janeiro. As imagens foram objeto de Ação Cautelar de Busca e Apreensão em setembro daquele ano e desde então estão sob custódia provisória do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha).

A peça de Santana Mestra é de autoria desconhecida. Foi entalhada em cedro maciço e é formada por três blocos: o trono, Santana e Maria criança. De acordo com laudo pericial, os aspectos do entalhe e da pintura sugerem que a produção seja do século XVIII. O conjunto tem 90 cm de altura. A avó e a mãe de Jesus, representadas no conjunto, tem expressividade dramática, com olhar para baixo, típica do momento histórico em que foram entalhadas. “A escultura de Santana Mestra, portanto, apresenta características de ter pertencido ao culto coletivo”, relata o laudo.

Ainda segundo o documento técnico, há registros de que a escultura encontrava-se na Capela de Santana até os anos 1950, quando o local entrou em decadência e acabou demolido. O colecionador detentor das peças, já falecido, alegou à imprensa, em 2003, que havia comprado de uma antiga capela na época da demolição. No leilão, o valor estimado para venda da imagem era de R$ 350 mil.

O MPMG aguarda o trânsito em julgado para organizar a cerimônia de devolução. Cabe recurso.

Fonte e Foto: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

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