sexta-feira, 25 de outubro de 2024
“NÃO SE PRESERVA A MEMÓRIA DE UM POVO
SEM O REGISTRO DE SUA HISTÓRIA.”

Debate avançou sobre limites e possibilidades do sistema de precedentes preconizado pelo Código de Processo Civil

Reflexões diversas sobre o papel do sistema de precedentes na construção de uma Justiça mais ágil e condizentes com as demandas sociais fecharam, na manhã desta quarta-feira, 23 de outubro, o 2º Congresso Sistema Brasileiro de Precedentes. O evento é uma realização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em razão de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado entre as duas instituições em 2023. As rodadas de apresentações aconteceram no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e envolveram membros do Ministério Público e da Justiça de diversos estados brasileiros, além de professores e estudantes de Direito.

Para enfrentar a questão da eficiência do sistema de Justiça brasileiro, o professor da UFMG e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Puc Minas) Dierle Nunes abriu o dia falando sobre o uso de ferramentas tecnológicas do trabalho com precedentes, em especial a inteligência artificial. “Nós não extraímos tudo o que o sistema de precedentes pode nos ofertar. E muito disso decorre de um aprimoramento que deve ser feito, a meu ver, em uma virada tecnológica”, comentou. Isso passaria, segundo o palestrante, em utilizar dados sobre os diversos litígios repetitivos para gerar conhecimento que possa criar atalhos no sistema. Assim, a partir do letramento digital dos magistrados, as decisões das instâncias superiores passariam por análises de grandes volumes de dados que favorecessem a contextualização.

Complementando a introdução feita por Nunes, a secretária de gestão de precedentes do Supremo Tribunal Federal, Aline Carlos Dourado Braga, trouxe um histórico de adesão de novas tecnologias na corte mais alta da Justiça brasileira. A linha cronológica passou pela introdução do plenário virtual em 2007 e seguiu até o uso de inteligência artificial para tarefas repetitivas do cotidiano. A chamada “Vitória”, último dos sistemas adotados na corte, teve apresentação mais detalhada. Segundo a palestrante, o software permite identificar tendências de litigiosidade nas instâncias brasileiras, criando condições para que casos repetitivos tornem-se precedentes formados pelos ministros. Em consonância com o palestrante anterior, Aline Braga abordou o risco de uma adoção acrítica de ferramentas de inteligência artificial generativa sem o devido letramento digital. “Nós precisamos identificar qual é o problema que queremos resolver e não necessariamente a solução. A solução pode nem ser uma IA generativa, que em geral é estrangeira, pois é treinado em língua inglesa, e é generalista, porque não parte de uma base de dados jurídica”, comentou.

A segunda mesa teve mediação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Reis Júnior, que abriu a fala comentando o excessivo número de processos que chegam às cortes superiores. Embora reconheça a necessidade da adoção de inteligência artificial como parte da solução para ineficácia do sistema, o magistrado salientou que a incorporação dessas ferramentas podem atacar as consequências das distorções da Justiça, mas não a causa. “Isso deve ser motivo de uma reflexão nossa. Esse congresso mostra a necessidade de os precedentes não serem apenas firmados, mas também serem obedecidos por todos aqueles que participam do sistema de Justiça”, defendeu.

O procurador da Fazenda Nacional Leonardo de Andrade comentou sobre o incentivo à litigância arraigada no meio jurídico brasileiro. Citando vários exemplos que vão desde a primeira instância até a corte suprema e comparando com modelos de tomada de decisão do exterior, o palestrante defendeu que o funcionamento pleno do sistema de precedentes só tem lugar se houver uma mudança ampla que substitua o excesso de disputas por uma confiança maior no poder público, de forma a dar autonomia para interpretações legais formuladas pelo Estado. “Hoje é importante, no âmbito da administração pública, dialogarmos com a sociedade civil para formular interpretações robustas antes que o caso vá para o judiciário”, exemplificou.

O procurador de Justiça aposentado do MPMG e professor da Universidade de Itaúna Gregório Assagra de Almeida defendeu que o sistema de precedentes é uma das garantias para o acesso à Justiça, considerado por ele como principal direito fundamental. “Um sistema justo e eficiente de precedentes pode garantir que os problemas sociais sejam tratados adequadamente sobre o ponto de vista da justiça social”, comentou. Retomando um argumento usado na manhã anterior, o palestrante ressaltou o papel dos doutrinadores para a construção de conceitos acadêmicos fortuitos de precedentes que auxiliem no sistema em construção. O debatedor também citou o avanço na resolutividade de recursos impetrados pelo MPMG nas instâncias superiores com a adoção de uma atuação estratégica que visou reduzir e qualificar o envio dos processos às cortes mais altas.

O terceiro painel contou com participação da professora de Direito Processual Civil da UFMG Juliana Cordeiro de Faria e do assessor-chefe do Núcleo de Precedentes do STJ, Marcelo Marchiori. Abrindo o debate, a professora trouxe o que chamou de “ratio decidendi à deriva”, ou seja, embasamentos distintos para formulação de precedentes semelhantes por diferentes instâncias. Esse desencontro gera uma amplitude de interpretações possíveis para os casos concretos, incentivando a multiplicação de recursos nas instâncias iniciais. Por sua vez, Marchiori trouxe um pouco da memória dos primeiros passos de implantação do Sistema de Precedentes preconizado no Código de Processo Civil.

Fonte: MPMG

Fotos: Eric Bezerra/ MPMG

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