Servidores do Ministério da Fazenda encarregados de desenvolver as normas para o mercado de apostas participaram de 251 reuniões com representantes de sites de apostas e suas associações. Em contraste, especialistas da área da saúde foram consultados em apenas cinco ocasiões. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo, em uma reportagem do jornalista Paulo S. Teixeira.
Atualmente, o país enfrenta uma epidemia de dependência em jogos, segundo especialistas que pesquisam o jogo patológico.
A Folha de S. Paulo analisou 555 compromissos que envolveram membros dos ministérios da Fazenda e da Saúde entre março de 2023 e 31 de julho deste ano. No dia seguinte ao período analisado, o governo publicou as regras para um “jogo responsável”. Os dados foram extraídos do site E-agendas e processados com o auxílio de Inteligência Artificial. Das reuniões, 381 estavam relacionadas ao mercado de apostas, sendo 251 focadas diretamente com representantes de sites de apostas ou suas associações.
Os encontros incluíram Regis Dudena (secretário de Prêmios e Apostas), José Francisco Manssur (ex-assessor especial da Secretaria Executiva da Fazenda), Simone Vicentini (ex-secretária adjunta de Prêmios e Apostas) e Sônia Barros (diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde). O ministro Fernando Haddad participou de sete dessas reuniões.
Para discutir o desenvolvimento do novo arcabouço regulatório, Manssur organizou reuniões semanais com as duas principais entidades do setor: o IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável), associado a marcas europeias, e a ANJL (Associação Nacional de Jogo Legal), que representa empresas de diversas partes do mundo. Esses encontros, que ocorriam todas as quintas-feiras, foram mantidos por Vicentini após a saída de Manssur em fevereiro. A frequência das reuniões foi interrompida apenas quando Dudena assumiu o cargo de secretário de Jogos e Apostas em maio.
Texto das bets não trata do investimento em saúde
Os diálogos entre os servidores responsáveis pela regulamentação dos sites de apostas resultaram em normas que foram bem recebidas pelo setor, principalmente por sua semelhança com as regras em vigor em Gibraltar, Malta e Curaçao, onde estão sediadas a maioria das apostas online. No entanto, essas normas têm sido criticadas por não abordar adequadamente o investimento necessário em saúde para tratar jogadores com problemas de vício.
Além das quatro reuniões realizadas com a Secretaria de Saúde Mental do Ministério da Saúde, que discutiram o tema com representantes de sites de apostas, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) também promoveu uma reunião específica com uma dessas empresas.
Durante o período de 16 meses analisado, a SPA conduziu 13 reuniões com o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que representa sites de apostas e defende um mercado regulamentado para garantir maior segurança jurídica ao setor. O presidente do IBJR é responsável pela subsidiária do grupo sueco de apostas Betsson, que anunciou sua intenção de operar no Brasil em 6 de agosto, com o CNPJ Simulcasting Brasil.
Além disso, representantes da Associação Nacional de Jogo Legal (ANJL), que inclui a grega Betano e a americana Caesars Sportsbook no Brasil, participaram de dez reuniões com a SPA.
Ambas as entidades mencionaram que compartilharam com o governo sua experiência adquirida em mercados regulados no exterior. No entanto, profissionais de saúde, que foram ouvidos pela Folha de S. Paulo, criticam a falta de menção a investimentos em ambulatórios especializados, treinamento para profissionais de saúde mental no manejo do vício em jogos, e campanhas de conscientização.
Em resposta, os ministérios da Saúde e da Fazenda informaram que estão formando um grupo de trabalho para iniciar atividades em 2025, com apoio dos sites de apostas em conformidade com as novas normas.
O Pro-Amjo, único ambulatório especializado no tratamento de vício em apostas no país, localizado no Hospital das Clínicas da USP, não foi consultado durante a elaboração das políticas de jogo responsável. A portaria publicada em 31 de julho estabelece regras para conter o jogo patológico a partir do próximo ano.
Com as informações da Folha de São Paulo
Foto: Joedson Alves / Agência Brasil