Quando embarquei para uma jornada que me levaria ao coração da Amazônia, a expectativa era alta, mas nada me prepararia para a intensidade da experiência que estava por vir. O destino era a comunidade indígena Yanomami em Maturacá, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Minha missão era registrar o início da execução do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no território, com a entrega dos cartões do Programa aos indígenas.
A inciativa inédita vai facilitar a vida da comunidade, por meio de 67 cartões entregues a produtores indígenas Yanomami, sendo 51 mulheres, cadastrados no PAA nas comunidades de Maturacá e Ariabú. O Programa do Governo Federal busca fortalecer a segurança alimentar e nutricional, além da economia local, unindo esforços de governos e da sociedade civil.
De São Gabriel da Cachoeira, após um voo sobre a vastidão verde da floresta, aterrissamos na base militar de Maturacá. Dali, seguimos de barco em direção à comunidade, navegando pelas águas calmas do rio. A paisagem era de tirar o fôlego: a mata densa se erguia imponente nas margens e o silêncio era quebrado apenas pelo canto dos pássaros e o ronco do motor.
Chegando à vila, fui recebida com sorrisos e curiosidade. Crianças brincavam na beira do rio, mulheres lavavam roupas e homens se banhavam. A vida seguia seu ritmo tranquilo, em harmonia com a natureza. Logo percebi que o tempo ali tinha outra dimensão. As pessoas não se guiavam pelo relógio, mas pela luz do sol e pelas necessidades da comunidade.
No meu olhar de quem vive na cidade, a rotina parece simples, mas cheia de significado. Acordar com o canto dos pássaros, tomar banho no rio, cuidar da roça, preparar os alimentos, celebrar a colheita. Cada atividade era realizada com dedicação e respeito à natureza. Aos poucos, fui me adaptando a esse novo ritmo, abandonando a pressa e a ansiedade da vida urbana.
O encontro com Osinei, um jovem Yanomami que se tornou meu guia e intérprete, facilitou meu mergulho na rica cultura e história de seu povo. Ele me contou sobre a chegada do homem branco e a importância de preservar as tradições culturais Yanomami. Ele também me explicou o significado das pinturas corporais, que para eles são como nossas maquiagem e roupa de festa.
Outro momento marcante foi a visita à roça de um dos moradores da vila, o Armindo. A princípio, imaginei que a roça seria próxima ao local, mas logo descobri que para chegar lá teria que fazer uma viagem de meia hora, rio acima. Ao chegarmos, me surpreendi com a exuberância da floresta que se abria em uma clareira, revelando uma plantação diversificada, com bananas, cará, cogumelos e abacaxis.
A produção desses alimentos tradicionais será comprada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e doada para a unidade de saúde indígena (Polo Base Maturacá), duas escolas municipais e uma estadual.
Justamente colocando em prática o objetivo do PAA voltado para os povos indígenas, que é promover o acesso a alimentos saudáveis, fortalecer a agricultura familiar e desenvolver a economia local, gerando emprego e renda.
Festa
O PAA chegou junto à Festa da Banana, para celebrar a colheita. Fiquei impressionada com a alegria e a gratidão com que eles comemoram a fartura da terra, algo que nós, muitas vezes, esquecemos de fazer.
O ritual começava ao entardecer, com os homens, liderados pelo cacique, dançando e cantando em homenagem à colheita. As mulheres se juntavam à celebração, com seus corpos pintados e adornados com penas. A energia era contagiante, e logo me vi envolvida pela música e pela dança.
Eles compartilharam o mingau de banana e a festa se estendeu pela noite, com cantos, danças e histórias. Foi uma experiência única, que me conectou com a natureza e com eles.
O Programa de Aquisição de Alimentos Indígena, que me levou até Maturacá, será fundamental para garantir a segurança alimentar e a autonomia das comunidades Yanomami.
Por meio do PAA, os indígenas podem vender seus produtos diretamente para o governo, sem intermediários, gerando renda e fortalecendo a economia local. Além disso, o Programa contribui para a preservação da cultura e dos modos de vida tradicionais, incentivando a produção de alimentos de forma sustentável e respeitando o meio ambiente.
Despedidas e reflexões
Outro aspecto que me tocou profundamente foi a forma como os Yanomami demonstram afeto. Ao me despedir de Carlinha, uma das moradoras da vila, ela segurou minha mão e a levou ao seu rosto, permanecendo assim por um longo momento. Aquele gesto simples, mas carregado de significado, me fez perceber o quanto a correria da vida urbana nos afasta do contato humano genuíno.
A experiência em Maturacá foi transformadora. Aprendi sobre a importância de preservar as tradições ancestrais, de viver em harmonia com a natureza e de valorizar o tempo e o afeto. Saí da comunidade com a certeza de que o mundo tem muito a aprender com os Yanomami e sua forma de viver.
Espero que essa iniciativa, fruto de um esforço conjunto entre o MDS, o Ministério da Saúde, o governo estadual e o municipal, a Associação Yanomamik do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRKA) e a Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma (AMYK), possa fortalecer a autonomia e a segurança alimentar da comunidade, garantindo que eles continuem a viver de acordo com seus costumes e tradições, em harmonia com a floresta que é seu lar.
A Amazônia e seus povos originários me mostraram um outro mundo possível, onde o tempo flui no ritmo das águas calmas do rio e a vida se desenrola em sintonia com a natureza.
Fonte e foto: Agência Gov