Especialistas das faculdades de Letras e de Direito examinaram mensagens que circularam no Twitter (atualmente X) entre 2021 e 2022
Quase 95% das respostas às postagens do Supremo Tribunal Federal (STF) publicadas no Twitter (atualmente X) de outubro de 2021 a outubro de 2022, continham discurso de ódio contra os juízes da corte. O dado aparece no artigo Far-right discourse in Brazil — Shameless language as a common practice?, assinado pelas professoras Ana Larissa Oliveira, da Faculdade de Letras (Fale) e Tímea Drinóczi, da Faculdade de Direito, além da pós-doutoranda Monique Vieira Miranda, também da Fale. O trabalho foi publicado no Journal of Language and Politics, que abriga estudos sobre a interação entre linguagem e política, e é uma das mais prestigiadas da área.
A análise dos discursos de líderes autoritários e de seus apoiadores, de acordo com Ana Larissa, teve como objetivo compreender como os ataques verbais são linguisticamente construídos e empregados. “Nosso interesse principal foi descrever e analisar o padrão crescente de insultos e de provocações, direcionados a supostos oponentes e a grupos minoritáios, que se tornaram componentes importantes do discurso político autoritário em vários países”, explica.
As pesquisadoras coletaram um corpus com 414.652 tuítes direcionados à conta oficial do STF, mas a análise se restringiu àqueles que continham hashtags. Assim, foram levados em conta 38.881 tuítes postados durante um período que a professora avalia como “crítico” na história brasileira: “o ano anterior às eleições presidenciais de 2022 e aos episódios violentos de 8 de janeiro de 2023, marcados pela tentativa frustrada de golpe de Estado”. Enquanto 94,9% das respostas ao STF continham “linguagem impolida e indecorosa”, apenas 5,1% das hashtags eram neutras ou apoiavam as decisões da corte.
Para a coleta de dados, foi utilizada a Application Programming Interface (API) da plataforma, ferramenta que possibilita a extração programática de informações. A análise incluiu a identificação de insultos, ataques à reputação dos juízes e a construção de narrativas que buscavam vilanizar o STF. A hashtag mais recorrente foi #stfvergonhanacional. Os exemplos de mensagens analisados continham, além de linguagem agressiva, manipulação de fatos e apelos emocionais.
‘Nós contra eles’
Para Ana Larissa, o discurso político tem se tornado cada vez mais agressivo no Brasil. No caso dos ataques ao STF, em seu entendimento, uma das motivações para o “comportamento verbal impolido e indecoroso” é a tentativa de evasão da culpa em processos judiciais.
“O pico de mensagens agressivas coincide com o período de investigação do chamado Inquérito das Fake News [que trata da disseminação de notícias falsas, ofensas e ameaças contra ministros do STF, além de esquemas de financiamento e de divulgação em massa nas redes sociais]. Ao tentar minar a credibilidade dos juízes, a tática também está associada à corrosão do ambiente democrático, em razão de impedir o debate genuíno e a crítica informada, fundamentais para a vida cidadã”, argumenta a professora
A linguagem impolida e indecorosa, acrescenta a autora, “é atraente, simplificada e de fácil reprodução”. “Por isso, encontra apelo em vários setores da sociedade, sendo empregada para conquistar apoiadores, ao mesmo tempo em que serve de distração frente a discussões importantes, como a segurança climática, a defesa dos direitos humanos e da igualdade social”, enumera.
Comum entre apoiadores de diversos espectros políticos, prevalece, segundo Ana Larissa, uma estratégia associada à retórica do “nós contra eles”, caracterizada pela fabricação de um “inimigo comum”, contra o qual uma maioria fictícia deve buscar a proteção de líderes autoritários. “A estratégia não é nova, mas conta, atualmente, com os diferentes recursos das plataformas digitais, que garantem uma propagação viral”, observa.
Para a autora, tal instrumento tem relação com uma deliberada tentativa de deslegitimação das instituições, com certos grupos sendo mais frequentemente alvejados. “Além dos membros do judiciário, mulheres, imigrantes e a comunidade LGBT+ são muito visados”, enumera. “Esses grupos são ostracizados e deslegitimados, assim como as instituições democráticas, que têm a função de protegê-los. O processo todo coloca em risco a democracia e a proteção de direitos. A prática deve, portanto, ser combatida por todos. O papel das mídias digitais nesse processo também merece especial atenção e amplo debate”, defende Ana Larissa Oliveira.
Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais
Foto: Marcos Oliveira | Agência Senado