O Painel “Ciências e tecnologias quânticas” trouxe à 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia o tema que mobiliza uma grande corrida tecnológica mundial, com 25 anos de pesquisa, especialistas brasileiros reivindicam infraestrutura compatível
Diante da fragilidade do sigilo de dados nas bases binárias dos computadores e da internet, as ciências e tecnologias quânticas, apoiadas em bases moleculares, surgiram como um trunfo para atividades civis e militares que dependem da inviolabilidade de suas informações criptografadas. O tema tem sido motivo de uma grande corrida tecnológica liderada pelos EUA e a China, somando mais de US$ 42 bilhões investidos. No Brasil, investimentos ainda na ordem de R$ 60 milhões, contrastam com uma pesquisa já em curso há 25 anos, grupos atuantes e uma primeira rede de testes montada. A discussão fez parte da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (5CNCT) reunindo líderes de pesquisas, que trouxeram sugestões para que o país não fique de fora dessa corrida.
O painel foi coordenado pelo físico Luiz Davidovich, assessor da presidência da Finep e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Participaram também como palestrantes Gustavo Wiederhecker (Unicamp), Valéria Loureiro da Silva (Senai/Cimatec), Antonio Zelaquett Khoury (Rede Rio Quântica), Antônio Abelém (Internet Quântica/UFPA) e a relatoria coube a Marcelo Terra Cunha (Unicamp).
Onde se aplicam as tecnologias quânticas?
Durante sua fala o assessor da Finep, Luiz Davidovich mostrou que as tecnologias quânticas começaram a transformar o mundo ainda no século XX, com aplicação do laser à medicina, na ressonância magnética, em aparelhos de cd, câmeras digitais, leitores de código de barra e em transistores e circuitos especiais de computadores. Neste século, os avanços se ampliaram no campo da fotônica quântica (exames de imagem), química quântica (diagnósticos rápidos e de baixo custo), desenvolvimento de novos materiais e abriram campo para a chamada de informação quântica. Em relação a estudos climáticos, surgiu uma nova geração de sensores quânticos para monitoramento ambiental e, em energias limpas, a possibilidade de células solares mais eficientes.
Também passaram a ser fabricados os computadores quânticos, despertando grande interesse dos pesquisadores pelas novas possibilidades relacionadas à simulação quântica, comunicação e criptografia quânticas, além da interface com a metrologia e os sensores quânticos. “Essas três linhas envolvem engenharia, desenvolvimento de software e suporte teórico, implicando numa forte colaboração entre físicos, químicos, matemáticos e engenheiros, além de uma revolução na educação, que já ocorre em outros países”, avalia Davidovich.
“O Brasil tenta acompanhar os avanços, deparando com o problema ainda geral da inovação no país: a necessidade de ampliar os recursos”, destaca o professor, que pondera que, apesar disso, o país desenvolveu estudos e competências nessa área. Ao todo são 20 instituições públicas de ensino superior e um centro de pesquisa do MCTI, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), atuando em quatro regiões do Brasil. As pesquisas também já contam com uma primeira rede quântica ligando instituições do Rio de Janeiro e, este ano, a Portaria MCTI nº 8194/2024 instituiu um grupo de trabalho com objetivo de propor as bases diretrizes para uma iniciativa brasileira para as tecnologias quânticas.
Rede Rio Quântica: um campo de provas
O professor do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador da Rede Rio Quântica, Antonio Zelaquett Khoury, ressaltou o desenvolvimento da primeira rede física de comunicação quântica, que liga instituições parceiras. A ligação por fibra óptica conecta PUC-Rio, CBPF, UFRJ e IME, no RJ, enquanto a UFF, em Niterói, se conecta ao CBPF por laser.
“A ligação inicial era para conectar grupos de óptica e informação quântica que atuavam na região metropolitana do Rio, mas, com a conexão física vieram novos objetivos, como estabelecer uma rede de criptografia quântica funcional entre as instituições parceiras e servir de campo de provas para tecnologias desenvolvidas também em outras regiões do país”, explicou Zalaquett.
A Rio Quântica também possui o objetivo de se ligar a outras redes quânticas do país e à rede mundial, chamada de internet quântica.
Do Pará para a Internet Quântica
A internet quântica também é objeto de estudo do Grupo de Pesquisa em Redes de Computadores e Comunicação Multimídia (Gercom) da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenado pelo professor Antônio Abelém.
Tendo trabalhado com a internet quântica em seu pós-doutorado, na Universidade de Massachusetts, onde foi criado um centro de referência em redes quânticas nos EUA, Abelém explica que a internet quântica não vem para substituir a internet convencional, mas, para complementá-la em relação a algumas aplicações, como a criptografia e a comunicação com sensores quânticos. O professor também aponta outra funcionalidade dessa internet: a computação quântica cega, que consiste em operar um cálculo em uma nuvem sem que o servidor possa obter informação sobre esse conteúdo, o que descarta qualquer possibilidade de espionagem ou vazamento.
Abelém também alertou para desafios das pesquisas como o alto custo de equipamentos associados à comunicação quântica, como o QKD (dispositivo de distribuição quântica de chaves) que custa em média US$ 300 mil. Entre suas sugestões, o professor defende investimentos para criação de uma Rede Quânticas Nacional experimental, que permitiria a vários grupos desenvolverem algoritmos e protocolos de softwares quânticos.
Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
Foto: Rodrigo Cabral (ASCOM/MCTI)