O princípio da progressividade tributária, adotada no Brasil, pressupõe que, quanto maior a renda de uma pessoa, maior deve ser também a taxa de impostos paga por ela, na proporção de seus ganhos. Esse princípio, previsto na maior parte dos sistemas tributários do mundo, é defendido como uma forma de distribuir a carga tributária de maneira mais justa e equitativa entre os cidadãos. Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na terça-feira (29/10) mostra, porém, que essa progressão é muito imperfeita no país, sendo muito baixa ou até nula entre as pessoas de renda muito elevada.
As conclusões são da nota técnica intitulada Progressividade tributária: diagnóstico para uma proposta de reforma, assinada por Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador de carreira do Ipea, cedido à Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul, onde atua como coordenador da assessoria técnica.
O documento apresenta um diagnóstico sobre a situação, expondo fatores históricos e políticos que contribuem para as desigualdades, e apresenta caminhos possíveis para tornar o modelo de tributação da renda mais eficiente e justo.
A novidade é que o levantamento considerou não apenas os impostos aplicados sobre a renda das pessoas físicas, mas, também, os incidentes sobre os lucros das empresas, a fim de avaliar a progressividade. E a conclusão é a de que, mesmo no cenário hipotético em que todo imposto pago pelas empresas seja transferido aos acionistas, a taxa média de tributação chega a um máximo de 14,2%, no estrato de renda em torno de R$ 516 mil anuais, e, a partir daí, começa a cair, atingindo uma média de 13,3% entre as pessoas com renda superior a R$ 1 milhão (grupo que representa os 0,2% mais ricos da sociedade brasileira).
“Os dados mostram que a progressividade deixa de existir no topo da pirâmide social brasileira e, além disso, a alíquota média máxima é muito baixa quando comparada com aquela praticada pela maioria das economias desenvolvidas e mesmo em relação aos principais países latino-americanos”, afirma Gobetti
Causas
De acordo com o documento, diversas distorções e privilégios fiscais concedidos historicamente contribuem para essa situação. Entre eles, está a isenção sobre rendimentos de pessoas que estão no topo da distribuição de renda do país, como aquela aplicada a lucros e dividendos, que representam a principal fonte de renda para pessoas que ganham acima de R$ 1 milhão anuais.
Além disso, há incentivos e condições especiais, além de brechas na legislação, que permitem que as empresas recolham efetivamente menos imposto do que o projetado com base nas alíquotas nominais de Imposto sobre a Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Metodologia
Para chegar às conclusões do estudo, o pesquisador utiliza estimativas de alíquota efetiva do IRPJ/CSLL apuradas com base em estudo da Receita Federal para os diferentes regimes de tributação do lucro vigentes no país. E, a partir dessas taxas efetivas, constrói três cenários hipotéticos sobre o impacto do imposto corporativo sobre a renda dos acionistas das empresas.
No cenário em que todo imposto pago pelas empresas é transferido aos acionistas, a taxa máxima de imposto é a de 14,2%, caindo para 13,3% entre os milionários. Já no cenário intermediário (em que 50% do ônus da empresa repercute sobre o acionista), a alíquota média chega ao máximo de 13,2% para pessoas com renda média de R$ 423 mil anuais e cai para 10,3% entre os milionários.
Gap tributário
No estudo, o pesquisador também analisou dados recentes da Receita Federal que indicam quanto o país deixou de arrecadar nos últimos anos por conta de vantagens concedidas a empresas enquadradas em regimes especiais de tributação, como o “Simples Nacional” e o “Lucro Presumido”, e, também, por causa de diversas brechas da legislação que trata da apuração do imposto no regime de “Lucro Real”.
A estimativa é de que, de 2015 a 2019, aproximadamente R$ 180 bilhões deixaram de ser recolhidos (cerca de R$ 300 bilhões em valores atuais) pelas empresas do “Simples” e do “Lucro Presumido”. Na prática, as empresas desses regimes pagaram apenas 25% do que pagariam caso as regras gerais (baseadas no lucro real) fossem aplicadas.
Caminhos
O estudo defende uma reforma tributária, com mudanças estruturais na legislação, incluindo a retomada de tributação de dividendos a partir de padrões internacionais. Além disso, aponta que é possível fazer uma revisão sem extinguir regimes especiais, mas focando em eliminar distorções e excessos.
O trabalho também considera que o tema é sensível politicamente, mas que a discussão precisa envolver diversos segmentos, de forma que todos entendam a importância de uma reforma para combater desigualdades, fazer uma distribuição mais justa e tornar o Brasil mais potente e eficiente economicamente no cenário internacional.
Fonte: Agência Gov
Foto: Hélio Montferre/Ipea