No final do século XIX, muitos imigrantes chegaram ao Paraná, vindos principalmente da região do Vêneto, na Itália. Entre eles, diz a lenda, estavam Lola e Constantina, mãe e filha, descendentes de uma longa linhagem de bruxas. Elas se estabeleceram na colônia de Santa Felicidade, em Curitiba, onde hoje fica o bairro com o mesmo nome.
De acordo com a história, Lola sempre dizia à filha: “Você precisa ser feiticeira! Você é uma strega, uma bruxa de origem italiana. Nunca se esqueça: ser uma strega é algo com que se nasce, não se aprende. Esse é o seu destino. Se você negar seu dom, será jovem de dia e envelhecerá à noite.”
Apesar da pressão, Constantina resistia, acreditando que ser bruxa era algo ruim. Ela sabia que era diferente das outras meninas — conversava com espíritos, tinha sonhos proféticos e sentia um forte desejo de curar as pessoas. Mesmo assim, evitava os convites da mãe para aprender rituais no cemitério.
Uma noite, dona Lola insistiu e levou Constantina ao cemitério para praticar magia com os mortos. À medida que o ritual se tornava mais sombrio, mais apavorada a menina ficava. Assustada, a jovem fugiu e se perdeu. Ela acabou em uma área que hoje é conhecida como Campo Largo, nos arredores de Curitiba. Lá, encontrou uma casa abandonada e descobriu ervas medicinais. Nesse local, socorreu uma senhora com o braço quebrado, usando chás e orações.
Após esse episódio, os moradores da região passaram a procurar Constantina para curas. No entanto, algo estranho acontecia: quem chegava à noite via apenas uma idosa na casa, que dizia que a menina havia saído. Durante o dia, Constantina atendia as pessoas, sem sinal da velha senhora.
Um dia, ao entardecer, um garoto foi buscar ajuda para sua mãe doente. Ao espiar pela janela, viu Constantina se transformar em uma velha diante de seus olhos. Aterrorizado, correu e contou a todos o que tinha visto. Ao saber disso, Constantina ficou furiosa e, com sede de vingança, começou a lançar maldições e a atacar aqueles que se aproximavam de sua morada.
O que diz a História
A lenda das stregas de Santa Felicidade, com variação, é encontrada em diversos blogs também com o nome de “A lenda das Bruxas de Curitiba”. No entanto, foi Luciana do Rocio Mallon, pesquisadora do folclore local e autora dos livros Lendas Curitibanas I e II, que a registrou pela primeira vez.
Luciana relata que a lenda é viva em Campo Largo, onde ainda hoje há depoimentos sobre bruxas, supostas descendentes das stregas, que praticam feitiçaria na região.
De acordo com os Arquivos Públicos do Estado do Paraná, em 23 de janeiro de 1775, o ouvidor da Comarca de Paranaguá, Antonio Barbosa de Matos Coutinho, publicou um edital na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, anunciando uma devassa geral para investigar alquimistas, benzedeiras, feiticeiras e pessoas acusadas de pactos com o diabo, entre outros crimes.
No final do século XIX, época da imigração italiana, mais de cem anos depois, o medo das bruxas persistia, e vários jornais curitibanos denunciavam práticas de bruxaria, entre as suas pautas.
O historiador Osmar Franco, radicado na Itália, explica que, no final do século XIX, o Vêneto, anexado à Itália em 1866, passou por um grande êxodo. Quase meio milhão de pessoas emigraram, buscando melhores oportunidades em países como Argentina, Brasil e Uruguai.
“No que diz respeito à imigração da Região do Vêneto, que foi anexada à Itália em 1866, foi um evento de massa, no final do século XIX. Um verdadeiro êxodo que levou quase meio milhão de pessoas a abandonar a própria terra para buscar melhor sorte em outro lugar. As principais metas dos Vênetos foram Argentina, Brasil e Uruguai. A sociedade vêneta de fins do século XIX e início do século XX era caracterizada por ser definida como estática e sonolenta, hostil a qualquer tipo de mudança e nada mudou com a anexação ao Reino da Itália, destaca.
Franco também menciona a multiplicidade de bruxas na tradição do Vêneto, como:
Gatti morbidi: feiticeiras com poderes curativos, capazes de curar, mas também de lançar mau-olhado ou maldições.
Zobianas: bruxas que se reuniam às quintas-feiras, geralmente em montanhas e grutas, realizando rituais e banquetes simples. Elas cavalgavam vassouras e entravam nas casas pelas chaminés.
Benedette signore: pequenas fadas bondosas, sempre vestidas de branco, que se comunicavam com animais e a natureza, ajudando as pessoas com conselhos e distribuindo lã para os trabalhadores rurais.
A mais intrigante lenda veneta é a das bele buteles, que, sob aparência de belas moças, escondiam patas de cabra ou cavalo e capturavam homens e crianças para matá-los. Em algumas versões, transformavam-se em velhas espectrais que fugiam para não serem vistas.
Seriam Lola e Constantina bele buteles? O mistério desta lenda talvez esteja além-mar, nas terras italianas. Por precaução, quem anda pelos bosques de araucárias da região de Curitiba prefere sair de lá antes que anoiteça.
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Na próxima semana: O caso da Bruxa de Curitiba, uma criatura jovem de dia e idosa à noite, que até hoje assombra os bosques das antigas colônias italianas.
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