Um recente relatório da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) traz à tona dados alarmantes sobre a violência contra comunidades quilombolas no Brasil. Entre janeiro de 2019 e julho de 2024, 46 quilombolas foram assassinados em 13 estados do país, destacando um quadro preocupante de violência sistemática e conflitos pela terra.
Contexto da violência
O levantamento revela que cerca de 34,7% dos assassinatos estão diretamente relacionados a disputas por terras. Essas disputas frequentemente envolvem a tentativa de apropriação de terras quilombolas ou o avanço de empreendimentos em territórios reivindicados pelas comunidades. Em 29 dos 46 casos registrados (63%), as vítimas foram mortas com armas de fogo, muitas vezes com execuções brutais, como tiros na nuca ou na cabeça.
Além das armas de fogo, o relatório destaca outras formas brutais de assassinato: quatro mortes foram causadas por força física pura, como socos e chutes, e duas por uso de maquinário pesado, demonstrando a extrema violência utilizada contra as vítimas.
Perfil dos agressores
Os dados também fornecem uma visão sobre os autores dos crimes. Aproximadamente 48% dos suspeitos ou responsáveis identificados eram ex-companheiros (21,2%), familiares ou conhecidos das vítimas (14,8%), vizinhos/posseiros/proprietários das terras em disputa (12,7%), membros de organizações criminosas (6,38%), assaltantes (4,26%) e policiais militares/agentes penitenciários (4,26%). A diversidade entre os autores sugere que muitos assassinatos podem ter sido encomendados, refletindo uma complexa rede de interesses e violência.
Estados mais afetados
Os estados com o maior número de assassinatos de quilombolas foram Maranhão (14 casos), Bahia (10 casos) e Pará (4 casos). Alagoas, Minas Gerais e Pernambuco apresentaram três casos cada, enquanto Goiás e Tocantins tiveram dois casos cada um. Ceará, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo registraram um assassinato cada.
Entre os locais mais críticos estão a região da Baixada Maranhense e os quilombos de Rio dos Macacos e Pitanga dos Palmares, na Bahia, onde foram registrados “assassinatos em série”. Também se destaca a chacina de uma mesma família em Jeremoabo, na Bahia, ocorrida em novembro do ano passado, como um exemplo particularmente cruel de violência.
Motivações e processos
O relatório indica que a principal motivação para os assassinatos é o conflito pela terra, representando aproximadamente 35% dos casos. Outros 24% estão ligados à violência doméstica e familiar. Nos casos relacionados a disputas de terra, muitos dos quilombos estavam em processo de certificação ou autoidentificação, o que frequentemente se arrasta por anos sem grandes avanços. Em média, o tempo entre a certificação e o assassinato é de aproximadamente 10 anos, refletindo a paralisia dos processos e a intensificação da violência durante esse período.
Uso do fogo como tática de intimidação
Outra tática alarmante identificada no relatório é o uso de incêndios criminosos para forçar os quilombolas a deixar suas terras. Foram registrados oito casos de incêndio em estados como Maranhão, Bahia, Tocantins, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O fogo é usado como uma estratégia para destruir propriedades e forçar a ocupação dos terrenos por terceiros.
Resiliência e resistência
Apesar das diversas formas de violência e intimidação enfrentadas, a comunidade quilombola demonstra uma resiliência notável. Holdry Oliveira, liderança quilombola da comunidade Carrapatos da Tabatinga em Minas Gerais, destaca a união e a determinação do povo quilombola. “O povo quilombola é muito unido. Infelizmente, quando a gente lida com outros, tentam achar nosso ponto fraco. Assim como atacar as terras com fogo, atacar um familiar também é uma forma de desestruturar nossa luta. Quando a gente perde um líder, perde uma parte de nós, mas a luta continua e outros líderes nascem”, afirma Oliveira.
Fonte: Agência Brasil
Foto: Incra / Divulgação