O Tribunal de Contas da União (TCU) analisou, nesta quarta-feira (04), o pedido de reexame do Acórdão 1.448/2022 – Plenário que, à época, considerou irregular a cobrança da taxa portuária denominada Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE), ou THC-2, e determinou a anulação de todos os dispositivos da Resolução 72/2022, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que disciplinava a possibilidade de cobrança. O recurso foi interposto pela própria agência reguladora e não foi acolhido pelo plenário da Corte de Contas.
Em seu voto, o ministro Augusto Nardes explica que, para entender a cobrança da taxa THC-2 e discutir sobre sua legalidade, é necessário, antes, compreender historicamente a operação portuária e como ela foi instituída. O relator lembra que, antes dos anos 1980, todo o processo de movimentação e armazenamento de cargas acontecia dentro do próprio porto, perto de onde os navios atracavam. Isso causava muita lentidão e aumentava os custos, pois demorava para as cargas serem liberadas pela alfândega, fazendo com que os navios ficassem parados por mais tempo e as despesas com armazenamento subissem.
Para resolver esse problema, Nardes reforça que foi criada área especial chamada recinto alfandegado independente (RAI), que ficava fora da área principal do porto, conhecida como “porto seco” ou retroporto. Isso permitia que as cargas fossem guardadas em um lugar diferente, escolhido pelo dono da carga, e deveriam ser movidas para lá em até 48 horas pelo operador do porto.
Essa mudança inicialmente ajudou a melhorar a situação, mas como o desembaraço aduaneiro passou a ser feito também nessas novas áreas, as docas começaram a perder dinheiro com armazenagem. Como resposta, começaram a cobrar taxa de segregação de entrega para transferir a carga via contêiners para o RAI.
Depois, em 1995, com a privatização dos portos e as companhias docas sendo substituídas pelos terminais portuários (zona molhada), as regras mudaram novamente. No início, os novos terminais portuários não cobravam pela entrega de mercadorias. Ocorre que, posteriormente, instituíram a taxa THC-2 para cobrar quando o dono da carga decidisse não armazenar sua carga no terminal até que ela fosse liberada pela alfândega.
Em rápida síntese, na atualidade, explica o ministro-relator Nardes, haveria uma taxa THC (Terminal Handling Charge, em inglês) de importação, que abrange os serviços de retirada dos contêineres dos navios até a colocação na pilha do terminal portuário, e a cobrança de SSE/THC-2, que seria uma cobrança adicional, de onde vem o número 2 do THC, feita pelos operadores portuários e se refere aos serviços prestados pelo terminal portuário para a movimentação de contêineres entre a pilha no pátio do terminal e o portão de saída.
Para Nardes, a situação descrita aponta para as seguintes conclusões:
- Os terminais portuários são concorrentes diretos dos recintos alfandegários independentes (RAI) na prestação do serviço de armazenagem alfandegada de cargas;
- Os terminais portuários recebem pela movimentação horizontal da carga (do navio para o pátio) mediante taxa denominada THC, de modo que a criação de outra taxa de movimentação horizontal (SSE/THC-2) não pode conter cobrança já incluída na taxa THC.
O relator do recurso, ministro Augusto Nardes, entendeu que não há transparência em quais serviços são remunerados pela taxa SSE, também conhecida como THC-2. A decisão do TCU a respeito da ilegalidade da cobrança da taxa, conteúdo do Acórdão 1.448/2022-Plenário, de relatoria do ministro Vital do Rego, teve como base denúncias no processo de revisão da Resolução 72/2022 da Antaq. O normativo regulava a prestação dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e carga geral em instalações portuárias públicas e privadas. Abordava, ainda, a cobrança da tarifa SSE/THC2. Pela decisão, o TCU determinou à Antaq que, no prazo de 30 dias a partir da ciência, anulasse todos os dispositivos da Resolução 72/2022 que dizem respeito à possibilidade de cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE/THC2).
Agora, no pedido de reexame, a Antaq traz ao Tribunal, entre outros argumentos, o de que o assunto não seria de competência do TCU, uma vez que estaria o Tribunal atuando em atividade finalística da agência, argumento rebatido com entendimentos consolidados de que, ao TCU, cabe verificar se não houve ilegalidade ou irregularidade na atuação das autarquias especiais. Além disso, a Antaq aborda que decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) reconheceria a legalidade da taxa.
Para o relator, no entanto, embora o acórdão do Cade não tenha considerado a cobrança de SSE/THC-2 ilícita, em tese, no caso concreto foi constatada a cobrança de SSE/THC-2 por serviços já incluídos nos custos do box rate, configurando infração à ordem econômica. O box rate é tarifa cobrada pelo serviço de movimentação de cargas entre o portão de um terminal portuário e o porão da embarcação, incluindo a guarda provisória. E a taxa de THC estaria contida no box rate.
Por fim, o ministro-relator Augusto Nardes propôs que o pedido de reexame tivesse seu provimento negado.
“Por inexistir a devida padronização desses serviços na box rate, de modo a dar transparência a quais serviços são remunerados por cada taxa, notadamente nesse caso a THC e THC-2, o que enseja risco de duplicidade de cobranças pelos operadores portuários, entendo […] que o presente pedido de reexame deve ter seu provimento negado”, defendeu. O plenário do TCU acatou a proposta do relator.
Discussões judiciais sobre a taxa para entrega de contêineres
A decisão do TCU (Acórdão 1.448/2022-Plenário) virou objeto de medida cautelar em mandado de segurança (MS 38673 MC) impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF), sob segredo de justiça. Nos autos, houve manifestação da Procuradoria-Geral da República em 19 de setembro de 2022 e, cerca de cinco meses depois (em 16 de fevereiro de 2023) foi homologada a desistência da ação. Embora o processo não vá mais caminhar por conta da desistência, o fato de estar sob segredo de justiça impede acesso aos autos para saber se, no mérito, a o recolhimento da taxa foi entendido como irregular ou não.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a cobrança de tarifa denominada SSE (ou THC-2) também foi discutida em um recurso especial (REsp 1899040). No caso em questão a operadora retroportuária Marimex, que atuava numa área externa considerada “porto seco”, solicitava a proibição da cobrança da taxa pela Embraport (atualmente DP World Santos), que opera um terminal marítimo no Porto de Santos, em São Paulo.
Em decisão no último dia 27 de agosto, a primeira turma do STJ decidiu por não permitir a cobrança do SSE (também conhecido como THC2), na movimentação de contêineres de importação. Houve voto divergente no colegiado formado por cinco ministros.
A relatora, ministra Regina Helena Costa, destacou que a cobrança possui caráter anticoncorrencial e viola a legislação antitruste brasileira. Ela enfatizou que essa tarifa já foi considerada anticoncorrencial pelo Cade. Segundo a ministra do STJ, a THC2 infringiria as normas de concorrência, com base na teoria das facilidades essenciais, que é um conceito jurídico que considera a função social da propriedade sob a ótica empresarial.
Ela explicou que a recusa de acesso a bens e serviços fundamentais em um ambiente competitivo poderia inviabilizar a participação de outros concorrentes no mercado. Portanto, a cobrança dessa tarifa é considerada uma prática vedada pela legislação antitruste, que visa promover a concorrência sem prejudicar consumidores.
O que o Cade decidiu
Existe um estudo do Cade, do ano de 2022 que indica que não há motivos para considerar a cobrança da THC2 como ilícita (Nota Técnica nº 29/2022/DEE/Cade). No entanto, o órgão também entende como antieconômica a cobrança do THC2. Isso porque, no caso Atlântico v. Tecon Suape, o Cade decidiu que, mesmo que não fosse entendida como ilícita pela Antaq, a cobrança da taxa se caracteriza como infração à ordem econômica.
Em termos práticos, a cobrança prejudica aqueles que operam em “portos secos” ou retroportos, já que o importador que desejar fazer a alfândega num porto seco precisará pagar uma outra taxa de movimentação a mais do que se fizesse em um terminal à beira mar. Isso prejudicaria a competição entre empresas que atuam no mesmo setor.
Fonte e foto: TCU