O segundo e último dia do Encontro dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na terça-feira (03), foi marcado por intensos debates e reflexões sobre a atuação das instituições jurídicas no Brasil. O dia começou com a palestra de abertura, proferida pela ministra aposentada do Superior Tribunal Federal, Ellen Gracie Northfleet, e seguiu com painéis que abordaram diversos aspectos da justiça e da atuação do Ministério Público.
Abertura – Tratamento dos Conflitos
Em sua fala, Gracie Northfleet destacou a importância do tratamento adequado dos conflitos e a necessidade de uma nova mentalidade, tanto nos Ministérios Públicos – protagonistas deste Encontro – quanto em outras instituições. “A litigância no Brasil é algo assustador. Temos no Brasil a razão mais elevada entre número de habitantes e o número de advogados, do planeta. É preciso levar em consideração que estes advogados foram formados nas escolas de Direito em formato estritamente litigioso”, afirmou.
A ministra destacou que o advogado deve ser o primeiro a tentar uma conciliação. “As faculdades de direito têm uma responsabilidade muito grande para reverter essa realidade litigiosa”, enfatiza.
Ainda conforme Gracie, o Estado (em todos os seus formatos: união, estados e municípios) é responsável por uma boa parte desta litigiosidade. “O Estado não está atento às suas responsabilidades, visto que as causas que mais abarcam o poder judiciário são causas previdenciárias e causas tributárias. As práticas infracionais recorrentes do poder público precisam ser atacadas e reconhecidas,” conclui.
A ministra enfatizou a necessidade urgente de reformulação nas práticas jurídicas e educacionais para reduzir a litigiosidade e promover uma cultura de conciliação.
O professor desembargador Kazuo Watanabe, que atua no Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (Cebepej), apresentou sobre como são tratados os conflitos antes da judicialização. “Todas as instituições que compõe o sistema jurídico do país devem atuar no tratamento dos conflitos que podem se transformar em demandas repetitivas antes mesmo destes conflitos acontecerem”, afirma.
Durante sua palestra, Watanabe afirmou que os advogados e a mídia estimulam as demandas repetitivas e citou como exemplo, ações movidas contra as teles, para questionar as tarifas telefônicas. “Eram milhares de demandas que abarrotavam o judiciário, sem a menor possibilidade de autuação para formar autos de processos. Às vezes as demandas repetitivas decorrem de uma análise equivocada em relação ao bem jurídico. As demandas predatórias são um problema e para evitar tudo isso devemos tratar os conflitos em formação, antes da sua judicialização, o que vai desafogar o judiciário das demandas inúteis”, conclui.
Primeiro Painel: Acordo de Não Persecução Penal
O primeiro painel foi dedicado ao “Acordo de Não Persecução Penal”. O promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), Promotor de Justiça do Estado de São Paulo Michel Betejane Romano.
O promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, professor Antônio Henrique Graciano Suxberger, falou sobre o passado, presente e futuro do ANPP. Para ele, o surgimento do ANPP se deu de forma negativa. “Surge a partir de uma preocupação de regulamentação do exercício da ação penal pelo Ministério Público, surgindo a partir de um estudo da Corregedoria Nacional. Promotores espalhados por todo o Brasil construíram isoladamente projetos de mediação, restauração, conciliação e atenção às vítimas e a partir destas ações concluíram seus procedimentos com uma promoção de arquivamento, fora do que determina a lei, o que acabou gerando ações correicionais”, explica.
Outro participante foi o promotor de Justiça do MPSP, professor Rogério Sanches Cunha falou sobre a ANPP e o racismo. “A justiça consensual não é menos justiça que a justiça litigiosa. Em crimes sem grave ameaça, diz a lei, o MP poderá propor a ANPP. Inicialmente o racismo se encaixa”, afirma. Sanches ainda lembrou que o ANPP deve ser negociado e não imposto, explicando como o MP se enquadra nestas condições.
Finalizando o primeiro painel, o promotor de Justiça do Ministério do Espírito Santo (MPES), professor Hermes Zaneti Júnior, afirmou que o tema é complexo e implica uma mudança de atitudes que deve ser acolhida pelas universidades. “Precisamos de debates qualificados para levar esta cultura adiante para uma mudança segura de paradigmas. O MP não deve mais ser obrigado a realizar a persecução penal. Devemos prestar à sociedade um serviço público de justiça que possa entregar o que a própria sociedade espera e deseja, ou seja, a efetividade da prestação da tutela adequada de forma que as funções básicas do processo penal devem ser preservadas.”, conclui.
Segundo Painel: Acordo de Não Persecução Civil
O segundo painel, presidido pela procuradora-geral de Justiça e diretora da escola do MPSP, Tatiana Viggiano Bicudo, abordou o “Acordo de Não Persecução Civil”, com os promotores de Justiça do MPSP, Wallace Paiva Martins Junior, Ricardo de Barros Leonel e Alexandre Magalhães Júnior que exploraram as especificidades e benefícios desse acordo no contexto civil, destacando como ele pode facilitar a resolução de conflitos sem a necessidade de litígios prolongados.
Terceiro Painel: Compromisso de Ajustamento de Conduta e Outros Acordos
À tarde, o terceiro painel, presidido pela promotora de Justiça do MPSP, Patrícia de Carvalho Leitão focou no “Compromisso de Ajustamento de Conduta e Outros Acordos no Âmbito do Ministério Público”.
A procuradora regional da República, Geisa de Assis Rodrigues, falou sobre a experiência da conciliação na Segunda Instância do MPF Terceira Região. “A conciliação tem o potencial de ressignificar o trabalho em todas as instâncias porque podemos atuar com conciliação o que pode tornar o nosso trabalho mais interessante do que a prática tradicional de elaboração de pareceres, comum na atuação de segundo grau”, descreveu. A procuradora ainda alertou para o fato de que a conciliação não pode ser imposta. “Temos um trabalho de convencimento das pessoas que a conciliação é o melhor a ser feito, mas não podemos obrigar pessoas ressentidas a participar dos acordos de qualquer maneira”, alertou.
O professor Gregório Assagra de Almeida é procurador de Justiça Aposentado afirmou que ainda não é possível medir os indicadores dos caminhos do sistema de Justiça. “Pode ser que pela morosidade extrema, pelos gastos elevados, os impactos sejam negativos”, afirma. O procurador regional da República, Elton Venturi e a promotora de Justiça do MPMG, Maria Carolina Silveira Beraldo também participaram do painel e dialogaram as estratégias para a implementação de acordos que visam ajustar condutas e resolver disputas de maneira eficiente e construtiva.
Quarto Painel: Tratamento Adequado dos Litígios Estruturais
O quinto painel trouxe sobre o “Tratamento Adequado dos Litígios Estruturais”. O desembargador federal do Tribunal Regional Federal 6ª Região Edilson Vitorelli participou de forma remota e com a promotora de Justiça do MPSP Susana Henriques da Costa abordaram as melhores práticas para lidar com litígios estruturais de grande complexidade e impacto social, discutindo estratégias para uma gestão mais eficiente desses casos. Para a promotora Susana, o extremo formalismo do processo civil não consegue solucionar a complexidade dos conflitos estruturantes. “Vejo o Ministério Público tem muita capacidade institucional para enfrentar os conflitos porque não está adstrito às formas, como o poder judiciário está”, conclui.
Quinto Painel: Práticas Exitosas no Âmbito do MP Brasileiro
O dia foi encerrado com uma análise das práticas exitosas no âmbito do Ministério Público brasileiro. Representantes de diferentes unidades, incluindo Compor/MPMG, Nupia/MPSP, Mediar/MPRS, Nupa/MPES, e Conafar, compartilharam experiências e cases de sucesso, evidenciando as iniciativas eficazes que têm sido adotadas em várias jurisdições. A presidência da mesa ficou a cargo do professor Gregório Assagra.
A cocoordenadora técnico-jurídica do Compor/MPMG, promotora de Justiça, Danielle Arlé, apresentou os resultados do órgão, criado em setembro de 2021. “Em 215 dos procedimentos já instaurados, obtivemos 91% de consenso. A média de duração dos casos de mediação no Compor é de cerca de quatro meses. O caso mais complexo que temos hoje é o das BR 040 e BR 356. Com a anuência dos seis promotores de Justiça das Comarcas por onde passam as rodovias, instauramos a mediação. Até o momento foram 14 reuniões prévias para mapear o conflito e uma reunião conjunta que já resultou em acordo parcial, com a formação de um grupo de trabalho que trará outras opções de solução”, exemplificou.
O procurador-geral de Justiça do MPMG e presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e da União (CNPG), Jarbas Soares Junior, participou do painel. “O Ministério Público não é mais o mesmo, não é mais o problema. O Ministério Público é a solução. Para saltar da ação para a autocomposição, precisamos estar muito bem estruturados. Estamos saindo do modelo tradicional para um mais inteligente e adequado, buscando uma ação judicial mais procedente. O Ministério Público deve criar (e está criando) processos mais eficazes”, afirmou.
O painel foi encerrado pelo procurador de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Paulo Valério Dal Pai de Moraes que apresentou o Mediar. “Começamos a fazer mediações em 2016 (32 mediações) e em 2023 foram 317. Só fazemos mediações com a anuência dos promotores de Justiça e estes números demonstram que estão entendendo a efetividade dos métodos autocompositivos”, concluiu.
Discussão, Aprovação e Encerramento
O evento incluiu a discussão e aprovação da Carta de Enunciados e a assinatura de um Compromisso de Cooperação e de Resultados. Estes documentos visam consolidar os compromissos e diretrizes estabelecidas durante o encontro.
Para encerrar o dia, o Ministro Herman Benjamin, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, proferiu a palestra de encerramento sobre “Resolução Consensual no Âmbito dos Tribunais Superiores”, abordando o papel dos tribunais superiores na promoção de soluções consensuais e na melhoria da justiça.
Fonte e fotos: MPMG