Necessidade de universalizar o acesso a remédios feitos à base de cannabis, bem como de enfrentar processos de criminalização da planta, foram alguns dos temas discutidos na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em audiência pública na quinta-feira (19/12/24).
Na reunião, foi homenageada a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama-me), que completou dez anos. Pioneira no Brasil, a Ame-me foi a primeira entidade de usuários de cannabis medicinal do País e precursora de discussões jurídicas sobre a questão.
Nesse sentido, Leandro Cruz Ramires da Silva, diretor médico-científico da Ama-me, destacou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.708, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). O pedido é de que seja afastado entendimento que criminaliza plantar, cultivar, colher, guardar, transportar, prescrever, ministrar e adquirir cannabis para fins medicinais.
De acordo com o convidado, a ação foi impetrada a partir de pressões e conversas iniciadas pela Ame-me, inclusive debates realizados na ALMG. Enfrentar a criminalização da planta é urgente, segundo Leandro, porque beneficia diretamente os pacientes. Ele relatou o caso de um associado da Ame-me que, a despeito de prescrições médicas e processos na justiça para garantir seu tratamento com cannabis, acabou preso por sete meses, acusado de tráfico de drogas.
No julgamento desse caso, Leandro depôs e acabou também indiciado. Apesar de ter autorização judicial para plantio da cannabis para fins de tratamento de seu filho, ele foi acusado de tráfico internacional de sementes. “Meu filho pode morrer se ficar sem a cannabis por um único dia. Continuarei praticando a desobediência civil”, disse.
A deputada Andréia de Jesus (PT), autora do requerimento que deu origem à reunião, fez coro com o convidado e lembrou que o moralismo por trás do uso da cannabis leva à prisão de muitos jovens negros. Ela ressaltou que a Lei de Drogas buscou diferenciar o uso do tráfico, mas resultou no aumento da prisão desses jovens negros, que acabam sempre acusados de tráfico em julgamentos enviesados pelo preconceito racial.
O promotor Francisco Ângelo Silva Assis se comprometeu a estudar as questões colocadas na reunião e levar essa discussão para dentro do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
A ocasião foi aproveitada pelos convidados para debater a urgência de regulamentação do uso medicinal da cannabis. Mais do que regulamentar o uso, foi discutida na reunião a necessidade de que isso seja feito de maneira a garantir a universalidade de acesso.
Como explicou Leandro Cruz Ramires da Silva, os óleos de cannabis disponíveis atualmente têm preço elevado. Segundo ele, 270 miligramas de óleo feito de cannabis são vendidos em farmácias por valores que vão de R$ 2.500 a R$ 3.600.
As associações têm ajudado a aumentar o acesso às plantas. A Ama-me, por exemplo, beneficia a planta em seu laboratório e a disponibiliza aos associados por valor muito mais baixo, R$ 150. Além disso, 10% dos 3.300 associados atualmente têm seu tratamento subsidiado pelo grupo.
Também a Angatu (Associação de Cannabis Medicinal de Belo Horizonte) patrocina o tratamento de pessoas em situação de vulnerabilidade, como explicou seu presidente, Lucas Candini. Ele citou o atendimento de pessoas com doenças raras atendidas pela instituição Casa de Maria.
Isso, porém, ainda não é suficiente e, para a deputada Andréia de Jesus, é preciso garantir a distribuição da cannabis pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ela disse que já há jurisprudência sobre o assunto e muitos estados, como Paraná e Mato Grosso do Sul, têm legislação para garantir a distribuição gratuita.
Em Minas Gerais, o Projeto de Lei (PL) 3.274/ 2021, de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT), está em tramitação na ALMG. A proposta é tornar obrigatório o fornecimento de medicamentos à base de substância ativa canabidiol (CBD) para condições médicas debilitantes, no sistema público de saúde em Minas.
No que diz respeito à universalização do acesso, também foi tratada da questão das patentes. A pesquisadora Ângela Maria Gomes, do Movimento Negro Unificado, defendeu que o Estado estabeleça as dosagens e atue para ensinar as pessoas a usarem a planta até chegar a uma “patente comunitária”, de forma a impedir a monopolização da planta pela indústria farmacêutica.
Ama-me vai inaugurar casa de apoio
A presidenta da Ama-me, Juliana Ceolin Soares, anunciou que será inaugurada pela entidade, no primeiro trimestre de 2025, uma casa de apoio. No local, será ofertado acesso a um tratamento completo, com profissionais de fisioterapia, terapia ocupacional e psicólogos.
Segundo a presidenta da Ama-me, a maioria dos associados atualmente é de mulheres na menopausa, que podem se beneficiar com o uso. Dores crônicas, doenças mentais e enfermidades oncológicas são alguns dos outros problemas que podem ser tratados com a cannabis.
Fonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Foto: Guilherme Bergamini