A crescente exposição de crianças nas redes sociais reacendeu o debate sobre a necessidade de regulamentar o ambiente digital no Brasil. A discussão ganhou força após denúncias feitas pelo influenciador Felca Bress, que expôs perfis com milhões de seguidores que publicam imagens de menores de idade em situações inadequadas — muitas vezes com conotação sexual, adultizadas ou explorando a imagem infantil para gerar lucro.
Em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que enviará nesta quarta-feira (13) ao Congresso Nacional uma proposta para regulamentar as redes sociais no país. A intenção é criar regras claras para proteger não apenas as crianças e adolescentes, mas toda a população, diante da atuação ainda pouco controlada das plataformas digitais.
Segundo especialistas, o atual modelo de funcionamento das redes sociais incentiva a superexposição da vida pessoal, inclusive da infância, em busca de engajamento, likes e retorno financeiro — sem responsabilizar as plataformas pelos riscos, crimes ou danos decorrentes.
“As plataformas de redes sociais precisam ter limites do que é possível explorar comercialmente. Explorar a infância adultizada, sexualizada, exposta sem nenhum tipo de cuidado, não é, em lugar nenhum, aceitável como modelo de negócio”, afirma Rodrigo Nejm, psicólogo e especialista em educação digital no Instituto Alana.
“A gente não pode permitir usar a criança como um produto comercial”, acrescenta.
Lógica do engajamento e incentivo à exploração
Felca também revelou como os próprios algoritmos das plataformas digitais incentivam a divulgação e o alcance de conteúdos problemáticos envolvendo crianças. Segundo Nejm, essa lógica impulsiona famílias e jovens a se exporem cada vez mais, buscando popularidade nas redes, sem medir as consequências.
“Há um convite constante para exposição desse tipo de comportamento e, quanto mais esdrúxulo, erotizado ou chocante for o conteúdo, mais visibilidade ele ganha. Isso gera lucro para quem publica e para as empresas que operam essas plataformas”, explica Nejm.
Adultização e riscos psicológicos
O fenômeno da adultização infantil — quando crianças são colocadas em situações ou comportamentos próprios da vida adulta — é um dos principais problemas discutidos por especialistas. Segundo a coordenadora do Netlab/UFRJ, Débora Salles, isso não se limita à erotização, mas envolve também quando crianças são expostas a responsabilidades ou padrões de comportamento que não correspondem à sua faixa etária, como dicas financeiras, opiniões políticas ou envolvimento com conteúdos violentos.
“É muitas vezes entendida como a questão da erotização, da sexualização, mas não só. Também há crianças dando dicas de investimentos, influenciadores mirins trabalhando como adultos, o que compromete a vivência saudável da infância”, ressalta Débora.
Essa superexposição também pode gerar frustrações, transtornos emocionais e impactos na autoestima, além de abrir espaço para abusos e crimes digitais.
“A forma como interpretamos o mundo vai sendo construída desde o início da vida. A criança que cresce submetida a julgamentos e à busca constante por aprovação online pode ter o desenvolvimento emocional e social afetado permanentemente”, explica o psicólogo Tiago Giacometti.
Projeto de Lei e medidas legais
Com a pressão pública, a Câmara dos Deputados decidiu, nesta terça-feira (12), criar um Grupo de Trabalho (GT) para elaborar um projeto de lei focado na proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais. O grupo terá 30 dias para apresentar um texto.
Entre as propostas que devem servir de base está o PL 2.628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira, que já foi aprovado pelo Senado. O texto prevê multas de até 10% do faturamento das plataformas caso elas permitam a veiculação de conteúdos que erotizam ou exploram crianças.
A Sociedade Brasileira de Pediatria também se manifestou, solicitando à Câmara urgência na aprovação do PL. Para Rodrigo Nejm, essa legislação é essencial:
“Nem mesmo as famílias têm o direito de lucrar com a imagem de crianças e adolescentes, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe. Tampouco as empresas de tecnologia. Hoje já é considerado uma violação, e precisamos de mais regulação. Por isso o PL é importante”, reforça.
Redes de pedofilia e riscos reais
Um dos riscos mais graves da exposição infantil nas redes é o uso indevido das imagens por criminosos, inclusive redes de pedofilia. Débora Salles destaca que muitas vezes, sem perceber, os próprios pais colaboram para isso:
“O que a gente vê, muitas vezes, são famílias que produzem conteúdos com crianças de forma aparentemente inofensiva, mas que acabam sendo usados por criminosos. Imagens de crianças nadando, trocando fralda, brincando… tudo isso pode ser ressignificado por essas redes ilegais.”
Ela reforça que as redes sociais não são um ambiente seguro e que o controle por parte das famílias é fundamental:
“Assim como você não deixa uma criança sozinha numa praça, também não se pode deixá-la sozinha nas redes sociais. Crianças precisam de supervisão constante.”
Cuidados importantes com crianças nas redes sociais
Diante de tantos riscos, especialistas e entidades recomendam atenção redobrada com o uso de internet por crianças e adolescentes. Veja algumas orientações básicas:
- Evite expor excessivamente a imagem dos filhos nas redes sociais, mesmo em situações aparentemente “inocentes”.
- Não publique fotos de crianças com pouca roupa, em ambientes íntimos ou em poses que possam ser mal interpretadas.
- Monitore o acesso das crianças às redes sociais e aplicativos. Saiba o que estão assistindo, com quem conversam e que tipo de conteúdo consomem.
- Ensine desde cedo sobre privacidade, consentimento e segurança digital.
- Utilize ferramentas de controle parental para limitar acesso a determinados conteúdos.
- Converse com a criança ou adolescente sobre os perigos da exposição, incentivando o uso consciente e crítico da tecnologia.
A proteção da infância é uma responsabilidade coletiva: das famílias, das escolas, do poder público e também das grandes plataformas digitais. Regular o ambiente virtual é garantir que ele seja seguro para todos — especialmente para quem mais precisa de cuidado: nossas crianças.
Com Informações da Agência Brasil/ Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
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