Questionamentos sobre um edital do Governo do Estado no valor de R$ 236 milhões, para custeio de um programa de inclusão produtiva de 10 mil estudantes em 70 municípios, e que foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), marcaram uma audiência pública realizada na quarta-feira (18) pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir a situação do trabalho infantil em Minas.
Ao abrir a reunião organizada pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) criticou o critério definido pelo Governo do Estado de exigir que o programa seja executado por uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), excluindo entidades de assistência social como a Associação Profissional do Menor (Assprom) e a Rede Cidadã, com experiência e estrutura constituídas em Minas.
“Essas são instituições sérias que há décadas trabalham a execução de uma das políticas públicas mais exitosas do nosso Estado. Se não fossem essas instituições reconhecidas, o número de crianças em situação de exploração infantil seria muito maior no nosso Estado”, afirmou a deputada Ana Paula Siqueira.
A deputada criticou o fato de o edital ter resultado na escolha de uma oscip de outro estado. “Essa entidade não tem estrutura em Minas e apresenta vários indícios de irregularidades em outros estados. Exigimos transparência e revisão deste edital”, afirmou a parlamentar, após informar que o processo foi suspenso pelo TCE-MG após solicitação das entidades de assistência social.
A superintendente de Educação para Trabalho da Assprom, Rosânia Teles, explicou que o programa lançado pelo governo, intitulado Evolução Jovem, é direcionado a adolescentes e jovens que estão com defasagem escolar de dois anos. Eles teriam a oportunidade de atuar como adolescentes trabalhadores e deveriam voltar a estudar, provavelmente no turno noturno, sendo monitorados pela oscip.
Rosânia Teles esclareceu que as entidades não podem acumular certificações como entidade beneficente de assistência social e oscip, e caso optasse por ser uma oscip, a entidade deixaria de ter imunidade tributária. Ela acrescentou que a Assprom tem 50 anos de atuação, em Minas, no recrutamento, encaminhamento e apoio a jovens aprendizes.
Minas é o primeiro colocado no ranking do trabalho infantil
Outro destaque da audiência pública foi um diagnóstico do trabalho infantil no Brasil e em Minas Gerais apresentado pelo auditor e coordenador de Combate ao Trabalho Infantil da Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais, José Tadeu Lima. O levantamento é baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativos a 2023.
De acordo com esses números, o Brasil registrava, em 2023, 1,607 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando irregularmente. José Lima ressaltou que o quadro melhorou nos últimos anos, uma vez que em 2016 o País registrava 2,112 milhões de crianças e adolescentes nessa situação.
Minas Gerais apresentava 213.928 crianças e adolescentes no trabalho irregular em 2023, o que representa 13,3% do total no Brasil. Foi o maior número absoluto entre todos os estados. Em números relativos, considerando o tamanho da população de crianças e adolescentes, Minas Gerais ficou em quinto lugar no ranking nacional, com 6,2% da população entre 5 e 17 anos nessa situação irregular, atrás apenas do Pará, Tocantins, Piauí e Bahia.
O deputado Doutor Jean Freire (PT) disse que o trabalho infantil é flagrante no interior de Minas e defendeu a realização de uma caravana para mobilizar a sociedade contra o problema. “É uma vergonha para a gente que Minas ocupe o primeiro lugar no ranking de trabalho infantil”, lamentou.
O levantamento baseado em dados do IBGE também aponta que Minas Gerais tinha, em 2023, 9.450 adolescentes entre 14 e 17 anos atuando no trabalho doméstico, o que representa 13,8% do total no Brasil.
José Tadeu afirmou que a fiscalização foi um dos instrumentos que permitiu a redução do problema no Brasil, ainda que a situação continue grave. Ele citou dois casos de autuações recentes em Minas Gerais: uma empresa têxtil que explorava 33 adolescentes e uma indústria de calçados que explorava 32.
O auditor do trabalho ressalvou, no entanto, que esse levantamento não inclui as crianças e adolescentes exploradas sexualmente ou pelo narcotráfico, que com certeza também são numerosas.
Sobre essa questão, a delegada Thais Dumont Coelho, da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente, afirmou que o Estado registra uma enorme quantidade de inquéritos investigando a exploração sexual de crianças e adolescentes. Ela citou o caso de uma adolescente mineira de 15 anos de idade, grávida, que era explorada sexualmente. “Ela falou que só na parte da manhã ela tinha feito mais de 20 programas sexuais”, relatou a delegada.
Com relação ao narcotráfico, a coordenadora do Fórum Enfrentamento e Combate no Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente (Fectipa), Elvira de Mello Cosendey, disse que o trabalho infantil, como a venda de balas nas ruas, é a porta de entrada das crianças para o tráfico. Ela pediu que as pessoas não comprem produtos das crianças. “Os meninos só vão para rua vender porque tem quem compre, e esse é o caminho mais curto para o tráfico de drogas”, advertiu.
Ainda sobre essa questão, o auditor José Tadeu Lima afirmou que são comuns casos em que crianças são alugadas para a mendicância, e muitas vezes drogadas. Ele citou um caso identificado no Rio Grande do Norte em que uma criança pequena alugada por um mendicante foi drogada com calmante para que não chorasse.
Fonte: ALMG
Foto: Henrique Chendes
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