A cafeicultura brasileira em 2025 enfrenta um cenário complexo, caracterizado por uma redução na produção, mas com aumento significativo na receita do setor.
Para entender melhor a situação, que envolve ainda as questões de exportação do produto em meio a uma guerra comercial implantada pelos Estados Unidos, o Jornal Panorama conversou com exclusividade com João Marcelo Oliveira de Aguiar, Especialista em Mercado de Café, Superintendente Executivo da Fundação Procafé e Tutor de Mercado de Café no Centro de Excelência em Cafeicultura do Senar Minas.
Quais as expectativas para a safra brasileira? O quanto as mudanças climáticas continuam afetando?
No mês de janeiro/25, a Conab publicou sua previsão de produção para a safra deste ano (2025/26) com quebra em relação à safra anterior. Além disso, revisou para baixo sua estimativa para a safra do ano passado (2024/25), de 54,789 milhões de sacas (da previsão anterior) para 54,215 milhões, o que significa 574 mil sacas a menos. Em sua primeira estimativa para a safra brasileira de 2025, a Conab estimou que o Brasil deverá produzir um total de 51,814 milhões de sacas de café beneficiado, portanto, uma redução de 4,4% em relação à safra de 2024 e de 5,9% em relação à safra de 2023. É importante notar que o Brasil já vai para o quinto ano de produção abaixo de seu real potencial. De acordo com a Conab, a produção de café Arábica deverá ficar em 34,684 milhões de sacas, 12,4% a menos do que o ano anterior, uma queda que, além do ciclo de baixa bienalidade, reflete os efeitos da restrição hídrica associada às elevadas temperaturas no decorrer do ano de 2024. Já a produção de Café Robusta e Conilon deverá ficar em 17,130 milhões de sacas, um acréscimo significante de 17,2%, impulsionado principalmente pelas boas precipitações verificadas no norte do Espírito Santo, que beneficiaram as lavouras de Canephora, que correspondem a 67% da área do estado e a 69% da produção nacional dessa espécie. No mês de maio/25, a Conab deve publicar sua segunda previsão para a safra deste ano, o que pela lógica, teria de ser revisada para baixo uma vez que, apesar do retorno das chuvas, é importante notar que o veranico do mês de fevereiro/25 e início de março/25, sem dúvidas, ocasionou prejuízo na granação dos frutos para a safra brasileira deste ano, sendo mais uma perda para uma safra cujo potencial já era pequeno em função da seca associada às altas temperaturas enfrentadas entre abril/24 e setembro/24. Já para o próximo ciclo, mesmo que já exista preocupação com a safra brasileira de 2026, que já ficou prejudicada em crescimento e não deve vir com o potencial produtivo que viria caso não fosse o recente veranico, ainda existe possibilidade de uma safra grande para 2026. O fato das condições para a safra 2026 não terem começado tão bem e de já terem provocado certo prejuízo, não significa que a safra de 2026 não será volumosa, pois ainda assim, é possível ter uma safra alta no ano de 2026 pelo fato de que, dado os problemas ocorridos nos anos de 2021, 2022, 2023, 2024 e 2025, existem muitas lavouras represadas, o que o leva à conclusão de que, até o momento, mesmo com os problemas já ocorridos, caso as condições climáticas sejam favoráveis daqui em diante, a safra de 2026 ainda tende a ser uma safra alta. Como sempre, tudo a depender do clima.
Afinal, como está a cafeicultura neste momento?
A cafeicultura mundial vem passando por um momento singular, de extremo aperto na oferta frente às adversidades climáticas que vêm castigando as lavouras cafeeira a cinco anos. Apesar do recente recuo das cotações devido à nova política comercial protecionista dos EUA que vem gerando uma forte aversão ao risco, a revisão dos números do relatório de oferta e demanda global do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) publicada no mês de dezembro/24, segue prevalecendo como um dos principais fatores de sustentação das cotações. O USDA revisou a safra 2024/25 do Brasil, anteriormente estimada em 69,9 milhões de sacas, para 66,4 milhões de sacas, portanto, 3,5 milhões de sacas a menos em função da seca aliada às elevadas temperaturas no decorrer do ano de 2024. Consequentemente, de acordo com o USDA, a safra global de café para 2024/25 (out/24 a set/25), anteriormente estimada em 176,235 milhões de sacas, também sofreu uma queda, indo para 174,855 milhões de sacas. No relatório do USDA, é possível observar que parte da revisão negativa da safra brasileira para o ciclo 2024/25 foi amenizada por uma revisão positiva para as safras do Vietnã (+1,1 milhão de sacas), cuja nova estimativa é de 30,1 milhões de sacas ante 29 milhões estimadas anteriormente, e da Colômbia (+500 mil sacas), cuja nova estimativa é de 12,9 milhões de sacas ante 12,4 milhões estimadas anteriormente. Num comparativo de produção entre o Arábica e o Robusta/Conilon, é possível perceber uma revisão oposta, isto é, enquanto a estimativa de produção global do Arábica sofreu redução, a do Robusta/Conilon sofreu acréscimo. De um modo geral, apesar da revisão negativa para o ciclo 2024/25 em -1,38 milhão de sacas, a safra global 2024/25, atualmente estimada em 174,855 milhões de sacas, segue apresentando acréscimo de 6,851 milhões de sacas frente à safra global anterior (2023/24), estimada em 168,004 milhões de sacas pelo USDA. Todavia, é importante notar que o acréscimo de 6,851 milhões de sacas do ciclo 2023/24 para o ciclo 2024/25, apontado pelo USDA em seu último relatório, não é o suficiente para trazer alívio para o quadro de escassez, ao menos é o que segue apontando a relação percentual dos estoques de passagem frente ao consumo global. Longe disso, ao analisar tal relação, é possível perceber que o cenário dos fundamentos segue apontando aperto para o ciclo 2024/25. O USDA revisou o consumo global para o ciclo 2024/25, anteriormente estimado em 170,634 milhões de sacas, para 168,071 milhões de sacas. Porém, como os estoques globais de passagem foram revisados negativamente e de modo mais robusto (-4,917 milhões de sacas), saindo de 25,784 para 20,867 milhões de sacas, a relação estoque%/consumo global, anteriormente apontada em 15,11%, atualmente corresponde a 12,42%, um nível mais alarmante ainda. Portanto, de acordo com os dados do USDA, ao final do atual ciclo (set/24 a out/25), os estoques de passagem devem ser suficientes para apenas um mês e meio, um dos níveis mais críticos da história.
E a questão das tarifas impostas pelos EUA. Afeta o mercado? Tanto commodity quanto o café especial?
Na realidade a nova política comercial protecionista dos EUA já vem afetando o mercado de café diante a forte aversão ao risco ocasionada pelo cenário de instabilidade e incertezas com relação aos reais impactos que trarão para a economia global. Frente à aversão ao risco, os fundos de investimento e especuladores tendem a migrar seus investimentos, de ativos de risco, tal como o café, para ativos de maior segurança tal como o Dólar. Tanto é que as cotações do café na ICE Futures US (Bolsa de Nova Iorque) recuaram mais de 5.000 pontos em apenas uma semana enquanto, neste mesmo intervalo de tempo, o câmbio saiu de R$ 5,60 para R$ 6,05. Outro ponto a se analisar é que, recentemente, informações de inúmeras fontes afirmam que uma oportunidade pode estar surgindo para os cafés brasileiros pelo fato de que as tarifas impostas ao Brasil estão bem abaixo daquelas impostas a outras importantes origens produtoras de café, o que pode deixar os cafés brasileiro mais competitivos no mercado consumidor norte americano que, até então, é o maior do mundo. No caso do Brasil, as tarifas estão em 10%. No caso do Vietnã, segundo maior produtor de café do mundo, as tarifas estão em 46%. Já na Indonésia, quarto maior produtor de café do mundo, as tarifas estão em 32%. Apesar disso, é preciso ponderar mais para se cravar algo neste sentido, até porque não se sabe exatamente como a tarifação funcionará na prática, como serão os cálculos e renegociações podem acontecer. E mesmo que essa oportunidade se concretize, não deve ser tão impactante diante o baixo volume que os EUA importam destes países, que são produtores de Robusta, enquanto nos EUA prevalece o consumo de Arábica. Por fim, evidenciando mais ainda o fato de que é preciso mais tempo para se cravar algo no que tange os reais impactos das novas tarifas norte americanas no mercado de café, não se sabe exatamente qual será a postura dos consumidores norte-americanos quando as novas tarifas começarem a aparecer nas cafeterias e nas gondolas dos supermercados. Será que o país de maior consumo do mundo conseguirá manter o atual e constante crescimento de sua demanda?? É preciso aguardar e observar por mais um tempo para, de fato, cravar algo neste sentido.
Fale um pouco sobre o importante papel da Fundação Procafé neste contexto da pesquisa e inovação voltada para a cafeicultura
Reconhecida a nível mundial por seus trabalhos de pesquisa, desenvolvimento e difusão de tecnologias cafeeiras, a Fundação Procafé é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por cooperativas agrícolas, cooperativas de crédito, sindicatos e associações. Trata-se de uma Fundação que, por meio de suas finalidades estatutárias, tem como objetivo principal, dar suporte ao desenvolvimento tecnológico da cafeicultura nacional, mantendo-a na liderança mundial do setor cafeeiro.
Da Redação: Sérgio Monteiro