A pesca no Brasil enfrenta dois grandes desafios: a escassez de dados confiáveis sobre os estoques pesqueiros e os efeitos crescentes da emergência climática, segundo a 5ª edição da Auditoria da Pesca Brasil, estudo que será lançado pela organização Oceana em Brasília, na quarta-feira (13/8). O relatório anual é considerado o mais abrangente levantamento sobre a gestão pesqueira no país e, em 2024, destaca os impactos ambientais e sociais provocados pelas mudanças climáticas.
O estudo aponta que 47% dos estoques de espécies marinhas e estuarinas exploradas comercialmente no Brasil não têm diagnóstico. Entre os estoques avaliados, 68% estão sobrepescados, com biomassa abaixo dos níveis sustentáveis. Além disso, mais de 90% não contam com plano de gestão atualizado nem com medidas que limitem a captura para evitar a sobrepesca.
Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana, afirma que o conhecimento sobre os estoques pesqueiros ainda é limitado e, quando existe, resulta de iniciativas pontuais. Ele explica que os estudos científicos têm validade limitada e, sem reavaliações periódicas, as medidas adotadas podem perder eficácia. Para enfrentar esse cenário, Zamboni propõe a criação de um programa permanente de pesquisa e monitoramento.
O relatório analisa quatro eixos: estoques pesqueiros, pescarias, orçamento público e transparência. A avaliação revela um sistema frágil e despreparado para lidar com os impactos climáticos, como o aumento da temperatura das águas, alterações nas correntes marítimas e eventos extremos — enchentes e secas — que afetaram diretamente a pesca no Rio Grande do Sul e na Amazônia nos últimos meses.
Martin Dias, diretor-científico da Oceana, destaca que a pesca depende totalmente do ambiente aquático e qualquer alteração nas condições naturais impacta diretamente os peixes e os pescadores. Ele relata que espécies que vivem em águas frias estão se afastando devido ao aquecimento, e peixes que exigem condições específicas para reprodução estão desaparecendo em locais como a Lagoa dos Patos e os rios da Amazônia.
Mesmo países com gestão pesqueira avançada, como o Chile, enfrentam perdas milionárias. Segundo Dias, o Brasil está ainda mais vulnerável por não atualizar sua legislação e não realizar acompanhamento sistemático dos estoques. Josana Pinto da Costa, pescadora artesanal do Pará, relata que a seca histórica na Amazônia tornou a pesca escassa e provocou a morte de peixes. No Sul, Daniel da Veiga, pescador artesanal do Rio Grande do Sul, afirma que o excesso de chuvas em 2024 tornou o mar mais violento e dificultou a atividade pesqueira.
Apesar do aumento de 85% no orçamento do Ministério da Pesca e Aquicultura em 2024, que chegou a R$ 350 milhões, o valor ainda é o segundo menor entre os ministérios do Executivo Federal. Apenas 39% desse recurso foi executado, com R$ 32 milhões destinados às ações finalísticas de pesca. Zamboni ressalta que a maior parte do investimento foi direcionada a programas sociais e ao funcionamento da máquina pública, restando pouco para ações voltadas à sustentabilidade e à gestão eficiente.
Ele aponta falhas graves, como a ausência de monitoramento, estatísticas pesqueiras e medidas de controle. Sem dados confiáveis, não é possível avaliar a eficácia das políticas públicas nem garantir que as licenças de pesca estejam autorizando um número sustentável de embarcações.
Embora haja avanços, como o funcionamento dos Comitês Permanentes de Gestão da Pesca, a falta de dados públicos sobre produção e estoques limita o controle social e o planejamento técnico. A Auditoria da Pesca defende a criação de um plano nacional estruturado de monitoramento, avaliação e adaptação das pescarias, com base científica e foco na emergência climática, sustentabilidade e justiça social.
Martin Dias acredita que a aprovação do Projeto de Lei 4789/2024, em discussão no Senado, pode transformar a gestão pesqueira no Brasil. A proposta torna obrigatória a elaboração de planos de gestão, o monitoramento dos estoques e a responsabilização do governo. Zamboni reforça que adaptar as pescarias à nova realidade climática exige investimento, planejamento e mudança de práticas, alertando que o custo da inação será ainda maior — em vidas, empregos e alimentos.
Da redação do Jornal Panorama
Com informações: Brasil 61Imagem: Freepik/Imagem Ilustrativa
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