Um arroz de camarão numa noite de verão pré-inverno
(droga, lá se foi a minha rima)
Uma vez, faz muito tempo, eu ia escrever um livro culinária. Naquele tempo, o tempo da ideia do livro, o Alexandre cozinhava quase todos os dias lá em casa Cla. Eu já te contei que ele cozinhava assustadoramente bem? Eu cozinhava de quando em vez e bem mais ou menos, mas, inspirada por aquela comida incrível do Alexandre, montei esse projetinho. O livro seria escrito em parceria com uma cozinheira profissional e nós falaríamos de técnicas – nada de crônicas amorosas e gentis – que iriam de “como escolher um melão” a “como fritar um ovo” até “como preparar um poitrine de veau farcie aux olives”. No fim, o projeto do livro não deu certo, já nem sei mais por que (ocá, talvez eu saiba, mas não quero falar sobre isso).
O lance é que hoje me lembrei disso porque eu começava o livro com um texto cujo título era: As coisas darão errado.
*
As coisas darão errado é, como todos sabem, minha filosofia de vida. Máxima que aplico para tudo, sempre.
Os especialistas dizem que se você escolher o curso superior direitinho, tudo vai se encaixar.
Os manuais dizem pra você declarar seu amor, vai dar certo, confia.
Os caras da área dizem que se você cuidar da papelada, a papelada cuidará de você.
Eu, que não sou de área alguma, digo: Ora, ora, ora.
Meu único comentário é: as coisas darão errado.
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No geral, porém, aviso que quando digo errado não é, necessariamente ruim. Não é péssimo, abismo, socorro. Bem, quase nunca. Pode ser, simplesmente – e no mais das vezes é – diferente do que se esperava.
De maneira que, juro, não é pessimismo meu, não. É só um lembrete de que o sendero segue o terreno, as pedras, as ravinas, desvia dum ninho de mafagafos aqui, contorna um laguinho ali e, quando se vê, o horizonte mudo – e nem todas as vezes para pior.
Digo isso para justificar pra mim mesma, o meu jantar.
Acontece que algumas semanas atrás o Ricardo me mandou uma foto do jantar dele, um arroz com camarão que, olha. Dizer que senti inveja não define. Daí me preparei por um tempão estilo vou fazer um para mim, você vai ver só. Comprei os trens, inclusive um arroz patricinha e tal e tal. Ensaiei meu arroz com camarão passo a passo (ensaiei dentro da minha cabeça – e, sim, eu sei). Tudo preparado. De hoje não passa.
*
O hoje chegou.
Hoje, enquanto lavava a louça para livrar a pia e arrumava uns trens e cuidava os gatos e rascunhava dentro da cabeça um texto pra Suzi, as coisas deram errado. Quero dizer, não errado, errado. Como sempre. Quase sempre.
De alguma maneira a receita foi ligeiramente alterada. Você sabe.
É por isso que, agora, me acomodo aqui com essa belíssima sopa de feijão em vez de um fumegante arroz com camarão.
Não sei bem o que aconteceu.
Feito todas as vezes, não faço ideia de como vim parar aqui.