A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) foi uma instituição fundamental na história da assistência social e educacional no Brasil. Criada em 1964, por meio da Lei nº 4.513, a Funabem tinha como objetivo central a formulação e implementação de uma política nacional voltada para o bem-estar de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, incluindo os chamados “menores infratores”.
A Funabem atuava como um órgão centralizador, com o propósito de coordenar ações e criar diretrizes para a assistência social a essa população, tendo como principal foco os menores que estavam em risco social ou envolvidos com a prática de atos infracionais.
Em Caxambu, a Funabem deixou um legado significativo. Ocupando o prédio da tradicional Escola Wenceslau Brás, a Funabem não apenas oferecia abrigo e educação para menores em situação de risco, mas também se tornou um centro de aprendizado e desenvolvimento para muitas crianças da cidade. O prédio que acolhia os internos e semi-internos, (isto é que ficavam durante o dia e retornava para suas casas durante a noite), se localizava na Rua Américo de Macedo e, conforme registros da época, foi considerado um dos cartões postais da cidade.
Além disso, a instituição era muito mais do que um espaço de internação. Ela oferecia uma estrutura diversificada de oficinas e atividades, permitindo que os menores tivessem acesso à educação formal, aprendizado de ofícios, esportes, cultura e até cuidados médicos e espirituais.
Estrutura e Atividades: um ambiente de formação e oportunidades
A Funabem em Caxambu se destacava pela grande diversidade de atividades oferecidas aos menores. As oficinas de artesanato eram uma das atividades mais procuradas, e os alunos trabalhavam com materiais como madeira, bambu, cerâmica e até lapidação de pedras. As produções, como bolsas, sapatos e doces, eram vendidas, com uma parte da receita destinada aos próprios alunos. A formação técnica não se limitava ao artesanato, mas incluía atividades como carpintaria, fabricação de queijos, doces e até aulas de música. As crianças recebiam parte do valor das vendas dos produtos, o que ajudava a gerar uma sensação de pertencimento e de valor.
Além disso, a instituição contava com uma extensa área para atividades esportivas, com quadras de futebol, vôlei, basquete e um campo de futebol. A Funabem também possuía uma piscina olímpica e oferecia aulas de judô.
O espaço cultural era igualmente bem equipado, com um cinema, que proporcionava entretenimento e enriquecimento cultural, e uma barbearia, destinada ao cuidado e higiene dos alunos. Essas estruturas desempenhavam um papel importante no desenvolvimento cultural e recreativo das crianças.
A instituição também se preocupava com o bem-estar físico dos menores. Contava com uma estrutura de saúde que incluía médicos, enfermeiros e dentistas, oferecendo cuidados essenciais para os internos.
Já a parte espiritual, as crianças participavam, uma vez por semana, da missa de sábado, com a presença de um padre, além de outras atividades religiosas, como a cerimônia de lava-pés na Semana Santa. Durante o mês de maio, os alunos também estavam envolvidos na cerimônia de coroação de Nossa Senhora, o que reforçava ainda mais o caráter formativo da Funabem, com ênfase na disciplina e nos valores espirituais.
A alimentação era bem estruturada, oferecendo aos internos café da manhã, almoço com sobremesa e lanche, criando um ambiente que atendia as necessidades básicas e emocionais dos menores.
O processo educacional e o papel das oficinas
Os alunos da Funabem eram divididos em faixas etárias. A divisão seguia critérios de idade, agrupando as crianças de acordo com suas necessidades específicas de aprendizado e desenvolvimento. Havia também a oferta de aulas de reforço escolar, com ênfase nas disciplinas principais como português e matemática, além de atividades que estimulavam o desenvolvimento físico, como os esportes.
A Funabem em Caxambu atendia não apenas os menores internos, mas também crianças da cidade, que eram encaminhadas por assistentes sociais. Participavam do cotidiano da instituição, o que proporcionava uma inclusão social e educacional significativa. A estrutura da escola ainda permitia que as crianças participassem de eventos como os desfiles de 7 de setembro e 16 de setembro, que eram marcados pela presença de uma banda, além de celebrações como a Festa Junina.
Impacto da Funabem na vida dos ex-alunos
O Jornal Panorama conversou com várias personalidades que foram diretamente impactadas pelo trabalho da Funabem em Caxambu.
Luiz Henrique da Silva, ex-aluno da Funabem, compartilhou um pouco sobre sua trajetória e como a instituição influenciou sua vida. Luiz frequentou a Escola Beneficente de Caxambu (EWB) entre 1966 e 1972, e depois seguiu para o GIQN no Rio de Janeiro até 1975. Ele descreve a Funabem como fundamental em sua formação, afirmando que “a escola com seus profissionais de educação teve um papel relevante na minha vida”. Para ele, a instituição foi crucial para o desenvolvimento de sua educação, caráter e dignidade, servindo como um ponto de partida para a vida profissional.
Após deixar a Funabem, Luiz prestou concurso para a Marinha em 1975, sendo aprovado e ingressando na Escola de Aprendiz de Marinheiro, em Vila Velha. Após um ano e meio de formação, foi transferido para o Rio de Janeiro, onde embarcou no navio de transporte de tropas Soares Dutra e iniciou sua carreira nas águas da Amazônia Azul. Em 1979, foi selecionado para se especializar como Mecânico de Aviação e embarcou no Esquadrão de Helicópteros, participando de diversas missões a bordo do Porta-Aviões Minas Gerais. Sua carreira na Marinha foi marcada por ascensões, passando de cabo a sargento, e em 2000 se aposentou como Suboficial. “A minha carreira na Marinha flui”, contou com orgulho, ressaltando que, mesmo após a aposentadoria, continua a atuar como instrutor na formação de aquaviários e pescadores profissionais.
Luiz também fez questão de destacar a importância dos educadores da Funabem, que foram essenciais para seu crescimento. “A escola me encaminhou para a vida profissional”, afirmou. Ele lamenta o estado atual das instalações da EWB, que considera um reflexo da falta de valorização das instituições voltadas ao apoio de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Agradecido, Luiz mencionou sua eterna gratidão aos educadores, e especialmente ao Professor Antônio Luiz, “um ser humano fantástico”, que foi um grande mestre e incentivador durante sua trajetória. Hoje, com duas filhas e netos, Luiz reflete sobre sua jornada e o impacto positivo que a Funabem teve em sua formação, profissional e pessoal.
Outra personalidade marcante é o ex-aluno Luciano da Silva Marques. O período em que esteve na Funabem teve tamanha relevância em sua vida que o inspirou a compor uma música em homenagem à instituição, intitulada “Funabem – Lugar Mágico”.
A entrevista com Luciano da Silva Marques, ex-aluno da Funabem, revela o impacto significativo que a instituição teve em sua vida, tanto no aspecto pessoal quanto profissional. Natural de Caxambu-MG, Luciano frequentou a Funabem entre 1988 e 1990, não como interno, mas como um participante das atividades de reforço escolar e recreação. Durante esse período, ele trabalhou em áreas como artesanato e na fábrica de doces, o que contribuiu para seu aprendizado e desenvolvimento de habilidades práticas. Para ele, “a Funabem teve grande importância na minha vida, pois me manteve afastado das ruas e ajudou meus pais a não se preocuparem”, oferecendo-lhe uma alternativa estruturada ao tempo ocioso, algo fundamental para seu crescimento.
Após seu período na Funabem, Luciano seguiu uma trajetória multifacetada, destacando-se como vendedor autônomo e músico. Ele tem uma carreira artística autodidata, tocando cavaco, banjo e violão, além de compor músicas e produzir conteúdo digital. “Sou compositor, produtor musical e poeta”, compartilha, destacando a importância da Funabem em fornecer o espaço e as oportunidades para o desenvolvimento de sua criatividade. Além disso, Luciano trabalhou em diversas funções, incluindo como promotor de vendas e atuando nas redes sociais, o que reflete sua adaptabilidade e o espírito empreendedor que cultivou desde cedo.
Um dos momentos mais marcantes de sua vida foi a composição da canção “Funabem – Lugar Mágico”, que homenageia a instituição e expressa sua saudade e gratidão. Luciano explica que a motivação para compor essa música veio “da saudade de um tempo que não volta mais e da vontade de chamar atenção para um espaço que poderia voltar a ter utilidade social”. Ele acredita que, com o apoio governamental, a reativação das oficinas de artesanato e produção da Funabem poderia beneficiar muitas outras pessoas, assim como ele foi beneficiado. A música, que já está disponível em plataformas sociais como Facebook, YouTube e TikTok, em breve será incluída no Spotify, ampliando sua visibilidade e potencial de alcance.
A Funabem não impactou apenas seus alunos e funcionários, mas também cidadãos comuns que se beneficiaram do trabalho desenvolvido pela instituição. Esse é o caso de Giovani Pereira de Souza, atualmente ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, que compartilhou com carinho sua experiência na Funabem, onde teve a oportunidade de participar das atividades educacionais oferecidas pela instituição.
“Eu frequentava a escola nas manhãs e me juntava aos alunos internos e semi-internos. Tínhamos aulas de matemática e língua portuguesa, e a professora Dona Bernadette nos auxiliava nas tarefas escolares. Era um espaço de aprendizado muito significativo”, lembra Giovani. Para ele, esse apoio foi crucial para despertar seu gosto pelos estudos e pela educação.
Além da parte acadêmica, Giovani também se destacou nas atividades esportivas oferecidas pela escola. Ele praticou judô, atletismo e futebol, modalidades que foram essenciais para seu desenvolvimento físico e para a construção de valores como disciplina e respeito.
Essas experiências, tanto no campo acadêmico quanto esportivo, deixaram uma marca profunda na sua memória afetiva. “O que vivi na Escola Venceslau Brás não foi só aprendizado acadêmico, mas também uma vivência de valores e disciplina que carreguei para a vida. Esses momentos moldaram muito do que sou hoje”, afirmou o ministro.
Os educadores: pilar da Funabem em Caxambu
A Funabem também contou com uma equipe de educadores dedicados, que tiveram um papel crucial na formação dos jovens internos. José Moacir de Souza, inspetor de alunos de 1971 a 1996, ressaltou que a disciplina era um dos pilares da instituição. “Eu empreguei toda a disciplina que aprendi no Exército, e os meninos responderam bem a isso”, contou. Moacir também destacou o trabalho de Antônio Luiz Gonçalves, que era o diretor da instituição. “Antônio Luiz foi um grande administrador e sempre se preocupou com o bem-estar dos meninos e da comunidade”, afirmou.
Maria Tereza Nogueira Ribeiro, professora de alfabetização, contou como a experiência na Funabem foi significativa para sua trajetória profissional. “Eu sempre fui apaixonada pela alfabetização e pude aplicar meu conhecimento em uma instituição que realmente precisava de educação”, afirmou. Ela também mencionou o impacto positivo que os alunos tiveram sobre ela, aprendendo tanto com os jovens quanto ensinando-os.
Giovani Pereira de Souza, hoje ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, compartilhou com carinho sua experiência na Funabem, onde teve a oportunidade de participar das atividades educacionais oferecidas pela instituição.
“Eu frequentava a escola nas manhãs e me juntava aos alunos internos e semi-internos. Tínhamos aulas de matemática e língua portuguesa, e a professora Dona Bernadette nos auxiliava nas tarefas escolares. Era um espaço de aprendizado muito significativo”, lembra Giovani. Para ele, esse apoio foi crucial para despertar seu gosto pelos estudos e pela educação, e a frequência nas aulas foi uma constante em sua rotina.
Além da parte acadêmica, Giovani também se destacou nas atividades esportivas oferecidas pela escola. Ele praticou judô, atletismo e futebol, modalidades que foram essenciais para seu desenvolvimento físico e para a construção de valores como disciplina e respeito.
Essas experiências, tanto no campo acadêmico quanto esportivo, deixaram uma marca profunda na sua memória afetiva. “O que vivi na Escola Venceslau Brás não foi só aprendizado acadêmico, mas também uma vivência de valores e disciplina que carreguei para a vida. Esses momentos moldaram muito do que sou hoje”, afirma Giovani, reconhecendo que a influência da escola, sob a liderança do professor Antônio Luiz, foi determinante em sua formação e na construção dos princípios que norteiam seu trabalho como ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil.
A Funabem na mídia e sua extinção
Em 1987, a Funabem foi matéria de uma reportagem do programa Fantástico, que mostrou ao Brasil o trabalho desenvolvido na instituição. A repórter Glória Maria foi responsável por levar a história da Funabem a uma audiência nacional, dando visibilidade ao trabalho da escola e à importância das atividades realizadas para os menores.
Apesar de sua relevância, a Funabem foi extinta em 1990, e suas funções transferidas para outras instituições, como a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (FCBIA) e, mais tarde, para o Ministério da Ação Social. O fechamento da instituição, entretanto, deixou um legado de contribuições importantes, com diversos ex-alunos expressando sua gratidão e destacando o impacto positivo que a Funabem teve em suas vidas.
Reflexões sobre o legado e o futuro
A Funabem em Caxambu não apenas cumpriu seu papel de fornecer abrigo e educação, mas também se tornou um símbolo de transformação social. Sua história, marcada pela dedicação a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, segue viva nas memórias dos ex-alunos que, hoje, compartilham suas trajetórias de sucesso. De Luiz Henrique da Silva, que se tornou Suboficial na Marinha, a Luciano da Silva Marques, que, inspirado pela instituição, compôs a música “Funabem – Lugar Mágico”, todos são testemunhas do poder transformador da educação e da assistência social. Mesmo após sua extinção, o legado da Funabem continua a ser uma referência de como políticas públicas eficazes podem mudar o rumo de vidas, e, como sugerido por Luciano, sua reativação poderia proporcionar novas oportunidades para futuras gerações. O impacto da Funabem vai além de suas paredes e atividades, reverberando como uma lição de que, com estrutura, carinho e orientação, é possível formar cidadãos plenos e preparados para um futuro de dignidade e respeito.





Por Eduardo Souza Imagens: Arquivos Pessoais/Reprodução Redes Sociais